Em tempos que parecem já não regressar, esta seria a altura do ano em que a comunicação social transmitiria notícias sobre as férias das portuguesas e dos portugueses nas praias algarvias, ou falariam de questões triviais para a sociedade, em reportagens dispersas pelo país, banhadas de sol e de boa disposição. Chamavam-lhe a “silly season.”
Esses tempos parece que não voltarão tão cedo. Talvez porque agora vivemos governações mais “silly” do que qualquer peça jornalística sobre o pequeno-almoço de uma família nas praias de Portimão. Ou talvez porque a trama se terá adensado de tal forma que as pessoas já não encontram apetite para esse tipo de leituras em tons de rosa.
Exemplo claro desse adensamento é a novela em curso na cultura regional. Não me canso de recordar as sucessivas mudanças nos executivos, com quatro chefias de gabinete, duas secretárias e três diretores regionais, entre o final de 2020 e o presente momento, para além de mudanças orgânicas, políticas inexistentes ou ineficazes, e outras questões internas de gravidade crescente relacionadas com alegações de abusos e tratamentos preferenciais que esperemos possam ver a luz do dia atempadamente, da mesma forma que outras já viram.
O atual executivo de Duarte Chaves continua a sua aposta numa causa que o anterior não assumiu: a inventariação do património imaterial relacionado com a Viola da Terra. Seria de elogiar o mérito desse trabalho, não fossem as queixas de que vou tomando conhecimento, ao nível dos bastidores, no que concerne ao tratamento das comunidades que realmente têm vindo a trabalhar para enaltecer esse instrumento e a sua musicalidade. Mais do que esquecidas, muitas das instituições que defendem e promovem a Viola parecem estar a ser estranguladas, para dar lugar a uma centralização do processo, que deveria ter começado de raiz a partir da sociedade civil.
Não conheço os motivos subjacentes, mas os mesmos vão sendo adivinhados nas esquinas e nos becos obscuros da direção regional. Perguntam-se as entidades envolvidas se os assuntos terão passado de culturais a pessoais. E não recebem respostas. Falta de resposta é também o que encontramos no processo dos apoios às atividades culturais. As candidaturas receberam já os ofícios de avaliação, é certo, e somente com quase seis meses de atraso, pasmem-se! Mas mesmo esse trabalho carece de um conjunto de esclarecimentos e regulamentações que não só não existem como também não se encontram previstas neste processo de revisão que a Secretaria Regional anunciou recentemente, e que está em consulta pública, para quem quiser atestar esta afirmação.
Há, inclusive, júris que não só reconhecem essas limitações como assumem não ter capacidade de resposta para avaliar adequadamente o que lhes é pedido! Recordo as palavras de Brito Ventura, anterior diretor regional, que sublinhou junto dos agentes culturais que este processo seria uma das suas principais preocupações, e que a mudança prevista seria verdadeiramente transformadora para toda a Região. Assumi que a intenção seria boa, mas os resultados que agora encontramos com Duarte Chaves não são os prometidos. E será preciso apurar motivos, certamente, mas será, acima de tudo, necessário perceber se um novo diploma que não vai trazer qualquer tipo de mudanças efetivas será a solução que as e os profissionais de cultura precisam, neste momento.
Sobre o património cultural, é a própria coligação a trincar os pés dos seus técnicos, apresentando propostas internas, como a que será brevemente discutida, referente a Angra do Heroísmo e ao estatuto UNESCO, passando um atestado de incompetência à gestão do património imóvel daquela cidade, que merecia mais da parte da Divisão a quem legalmente compete orientar e recomendar as diretrizes necessárias para a sua salvaguarda.
A novela da cultura continuará, infelizmente. Não encontramos ainda um horizonte que preveja um final para a mesma, necessita-se de estratégias que se revelem eficazes.
Com Duarte Chaves, a linha de continuidade parece ser no sentido do afundamento. Esperemos que alguém pegue nesta barcaça à deriva, antes que os Açores percam os últimos resquícios da açorianidade que Nemésio um dia sonhou, e que parece agora desaparecer entre as brumas da política de alienação do arquipélago.