Vivemos tempos em que a realidade é mais estranha do que a ficção. As narrativas vendidas por quem nos governa são muitas vezes dignas da mais cómica e trágica novela de Jorge Amado, que até assusta.
Assim vai o universo, cada vez mais reduzido, da Cultura (Assuntos Culturais) nos Açores. Num misto de fantasiosas promessas, fantasmas que cismam em assombrar quem quer trabalhar e personagens que não conseguem desligar os seus impulsos primários.
Estamos em abril de 2023 e, mais uma vez, continuamos sem saber novidades acerca dos apoios para este ano, referentes aos agentes culturais que levam os Açores para o exterior.
Dizia Sofia Ribeiro que o Regime Jurídico de apoio às Atividades Culturais seria melhorado, repensado e até fomentado, com um aumento no seu financiamento, prometido e prontamente esquecido, na mudança de diretores e diretrizes.
Com a, lamentável, saída de Brito Ventura e a entrada de Duarte Chaves voltamos a um limbo, como naqueles filmes em que acordamos e o dia é o mesmo. Assim vai a Cultura, agora relegada para “Assuntos Culturais”, nos Açores.
Nada muda para nada mudar. Para pior foi a redução no investimento em busca da fantasia da dívida zero que em tempos de uma profunda crise económico-social é um erro profundo e com consequências no presente e no futuro.
Duarte Freitas traçou esta estratégia sem olhar a prioridades e escalonamentos. Tratou tudo por igual e no final perdeu, e muito, a Cultura, que de parente pobre passou a nem fazer parte dos anseios da família social-democrata.
Relegada para os assuntos das redes sociais, o que soubemos desses Assuntos Culturais, nos últimos tempos, foi apenas o que decorreu em torno da polémica relacionada com o Convento da Esperança, que não se resolveu nem ficou resolvida, mas foi prontamente abafada.
De apoios à criação artística, nada. De apoios às filarmónicas e restantes entidades culturais, não se fala. De verba para quem não desiste da reabilitação e valorização patrimonial, esqueçam. E iniciativas que envolvam a investigação, inovação e educação, nem sonhar é possível.
Fala-se, antes, da criação de infraestruturas e ligações ao Brasil, na sequência da sua viagem, pelas palavras de Sofia Ribeiro, secretária regional da pasta dos tais Assuntos cada vez menos culturais.
Anunciou o XIII Governo Regional que irá promover um investimento em vários municípios de Rio Grande do Sul, iniciativa que seria de louvar, não fossem as muitas e muitos artistas a viver nos Açores que se encontram no limiar da fome e da pobreza, aguardando a atenção de quem se esqueceu de lhes acudir.
Duarte Chaves é novo na pasta dos Assuntos Culturais. Não lhe atribuo mais responsabilidades do que aquelas que terá nos próximos meses. Espero que esteja à altura de defender quem precisa dele e de dar fôlego à Cultura. E de preferência de forma mais eficaz do que a usada para resolver o assunto no Convento da Esperança.
Mas, a Sofia Ribeiro e a Duarte Freitas exigem-se esclarecimentos. Há verba para os recentes anunciados investimentos? E para aumentar os apoios na Cultura por cá?
E a dívida zero? E se, por acaso, não há dinheiro para tudo, quais são as justificações que legitimam que a arte esteja a mendigar por cá, enquanto se investe por lá?