A 24 de dezembro de 2024, na véspera do aniversário do menino de Belém, nasceu o novo decreto regulamentar regional para o regime de apoios aos agentes culturais na nossa região. Há quem, inocentemente, tenha acreditado que a data de publicação foi mera coincidência, mas houve também quem tivesse logo previsto que dali sairia um grande peru de Natal. Os mais otimistas, ainda aguardaram pela chegada do Messias reencarnado naquele documento, para salvar um arquipélago de tranquilos e naufragados artistas insulares.

A verdade é que a nova proposta contém, de facto, algumas reformas interessantes, face ao decadente estado a que se tinha chegado. Afinal de contas, é uma região repleta de artistas, que historicamente marcaram o panorama nacional, e muitas vezes internacional, mas o palco estava há muito tempo quase vazio, apenas preenchido pelas pessoas que se dignavam a conseguir pagar do próprio bolso para sobreviver.

Essa situação exacerbou-se pela presença de normativos incompreensíveis, excessos de burocracia inadequados e uma panóplia de critérios sem explicação, suportados por anacrónicas maneiras de agir e painéis de júris selecionados por simpatia, sem justificação de mérito ou sentido. Tudo isto, profundamente agravado pela falta de chefias capacitadas, dentro da tutela, para gerir aquele tipo de processos, e complementado pelos atrasos consecutivos, dignos de um recorde olímpico, que de 2020 para cá se foram estendendo ainda mais, até ao ponto em que houve apoios de um ano pagos em janeiro do ano seguinte.

Pelos corredores do Palacete Silveira e Paulo, diz-se que as profissionais do setor continuam a respirar de forma ansiosa, sussurrando palavras de escárnio e desilusão perante a gritante falta de estratégia manifestada pelo longo rol de diretorias que ali se sentaram recentemente. Por mais cerimónias e anúncios que as senhoras chefes façam, quem ali tenta trabalhar é que sabe o que pena para levantar uma pedra que nunca chegará ao topo da montanha que só sabe parir ratos.

Todos os anos, religiosamente, as e os agentes culturais juntam-se em peregrinação aos jornais, para anunciar mais um problema e menos uma solução. Quando se tentou fazer reuniões gerais para fingir que se ouviam as pessoas, houve ilhas em que nem Internet houve para as receber. Mesmo em São Miguel, onde se concentrou a direção e a secretaria no mesmo dia para mostrar a importância do centralismo, ficaram mais dúvidas que certezas sobre o que viria no novo regulamento. E, quando ele saiu, nada mudou, naquele 24 de dezembro de 2024.

Claro que a mudança não se faz num dia. Compreendo que ninguém nasce ensinado. Só que este executivo é o mesmo que nunca desculpou uma falha no tempo dos outros senhores. E, pior do que isso, é o que lá está há tempo suficiente para ter juízo. Então prepara-se um novo regulamento sem ter as coisas prontas para serem acionadas? E quando se vai corrigir tamanha falha, o resultado é o lançamento de uma plataforma que ainda prevê a inscrição do número de fax no perfil da entidade? A ausência de futuro é evidente. A falta de visão é desesperante.

E desesperam as técnicas e os técnicos demasiado capacitados de um palacete que arde com a frustração de quem até queria fazer se lhes deixassem. Não esquecer que este problema agudiza com a tal nova orgânica, pensada para elevar a diretora regional, mas que afinal parece que só serviu para mudar o nome e confundir ainda mais as pessoas. Uma breve passagem pelo portal da Direção Regional da Cultura, que já de si é peça de museu com mais defeitos que qualidades, permite verificar que agora temos uma Direção de Serviços para o Desenvolvimento Cultural que serve para a promoção cultural, e uma Divisão da Promoção Cultural que serve para o património imóvel. Como é que é? Não é silly season, nem consequência das festas da Praia da Vitória. É mesmo assim. Uma casa sem porta de entrada, embarcação sem leme, e viatura de motor avariado.

Mas, voltemos ao regime de apoios para atividades culturais. De facto, o atual diploma veio tentar prevenir vários dos anteriores problemas, acautelando definições de critérios e metodologias renovadas para tentar conjugar a execução dos projetos com a sua adequada avaliação e acompanhamento. Reconheço-lhe esses méritos todos, mais não seja porque também reconheço algumas alíneas inspiradas numa proposta que em tempos levei até junto do nosso Parlamento Regional. Tudo bem. O que me interessa é o serviço público.

Todavia, eis-nos na primeira semana de agosto, tempo de começarem as novas candidaturas e os trabalhos de administração dos agentes culturais. No dia 1 de agosto, o Governo anunciou a tal plataforma progressista que ainda fala na máquina do fax. Fez uma cerimónia, onde só convidou quem quis, ou quem sabia que iria para bajular e não para analisar imparcialmente o assunto. Durante os últimos oito meses, não promoveu uma só sessão pública de esclarecimentos sobre o novo diploma, de que se tenha conhecimento. Temos uma Secretaria que mistura Cultura com Educação, mas nem sequer ensinar sabe! Será sempre esse o legado da senhora secretária. Muita parra, pouca uva. Muitos comunicados, poucas condições para trabalhar. Até os professores se vão, finalmente, apercebendo disso.

Conseguimos adivinhar como terminará este novo ciclo de apoios culturais. Contra um serviço mal gerido, burocracias incompreensíveis e decretos que na prática só serviram para ficar tudo na mesma, perdurará o assassinato da nossa Cultura, patrocinado pelo Governo menos interessado em política cultural de que há memória em Portugal. Só será apoiado quem comprar máquina de fax? Para que serve um regulamento, se as pessoas não o souberem aplicar? É uma verdadeira volta de 360 graus! Um peru de Natal, servido frio e sem acompanhamentos, renegando uma vez mais uma classe profissional inteira para dentro de um poço que parece não ter fundo.

Nem promoção, nem desenvolvimento cultural. Sintoma de uma doença prolongada na Região, que já vai em cuidados paliativos. Como diria o senhor presidente, por estes dias: já estamos habituados. Não é?

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