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Mais uma semana que terminou, mais uns quantos debates na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Haveria muita coisa a escrever sobre todos eles. Não se deseja a muita gente a dor de ter de acompanhar aqueles trabalhos, mesmo que para o efeito ainda receba um ordenado razoável para os dias que correm. Quem o faz sem nada ganhar, merece respeito acrescido.

Não acompanhei o plenário na sua totalidade. A saúde nem sempre me vai permitindo, a incompatibilidade de horários e a paciência esgota-se nas palavras de algumas pessoas que ali dizem representar a vontade da sociedade açoriana. Espero bem que não o façam. Mas, na verdade, continuo a acreditar na política e por muito que tente desligar, a dedicação à coisa pública fala mais alto.

Todavia, o que vi foi suficiente para me deixar ansiosa. A cada dia que passa, cresce a impunidade de uma bancada parlamentar que sempre que toma a palavra fá-lo para anunciar bárbaras intenções, transvestidas de política. Falaram de Alojamento Local e da sua pertinência, no mesmo fôlego em que ignoraram os negócios de algumas famílias presentes. De glifosato, já tudo o que havia para escrever foi escrito e bem descrito, pelo que não darei mais para esse peditório. Desta vez falaram, também, foi de creches e de crianças, entre outras coisas.

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Por estes dias foi noticiada a existência de graves maus-tratos infantis numa creche, em São Miguel. A tal bancada dos que se dizem donos da bondade, logo correu a tomar a palavra, para publicamente anunciar a proverbial tempestade no circunscrito copo de água.

Não tenho dúvidas que as imagens divulgadas, após a comunicação social regional escrever acerca do sucedido, demonstram procedimentos graves por parte de algumas das pessoas que ali trabalham. No entanto, este é um assunto, que já dissecado pela comunicação social e nas redes sociais, cabe à Justiça fazer o seu trabalho, como o está a fazer O que eu tenho, também, é a certeza de que o que foi pronunciado em Assembleia é igualmente grave. O líder da tal bancada inspirou fundo e apelou a um controlo apertado da nossa sociedade. Utilizar a existência de assassinos para legitimar a pena de morte, ou de pedófilos para promover a violação dos direitos humanos é parte da estratégia de ação destes partidos. O mesmo sucede com as creches e os tais tratamentos desumanos. Pela culpa de algumas pessoas, deverão todas pagar dividendos?

Não. O que foi discursado em plena casa da autonomia não pode ser concordante com uma sociedade que se deseja livre e democrática. A creche e o tratamento indevido aconteceram, é certo. Não podemos, com essa situação, almejar instalar um estado policial no país, onde a lei passa por acusar a nossa vizinhança a toda a hora. Isso abre a porta aos velhos chibos da Polícia Internacional e de Defesa do Estado. E bem sabemos que há muitos com saudades dela. Alguns até se sentam nas assembleias de Portugal.

Compreendo o estado emocional das famílias e a insatisfação da população, em geral. No entanto, generalizar não é a receita para a solução. Como já o disse, a confiança entre as pessoas adultas e crianças deverá ser primordial. A nossa Região tem milhares de pessoas, que diariamente trabalham em Instituições Particulares de Solidariedade Social, as quais têm os seus órgãos eleitos, sufragados pelos/as sócios/as. O sector social emprega milhares de pessoas que tratam as crianças, como se seus/suas filhos/as fossem, durante o impedimento diurno dos/as seus/suas responsáveis. Estou certa de que a minha opinião não será popular, neste momento. Mas, instalar um circuito interno de vigilância permanente poderá representar a violação de privacidade, não das pessoas adultas, mas das próprias crianças. Num período em que se brada à exclusão social de crianças provenientes de ambientes desestruturados, isto poderá representar um fosso social ainda maior.

O estado de vigilância constante que se vai instalando e normalizando não pode ser normal. Estes partidos, de ódio e paranóia, querem-nos amarrados ao nosso medo, a espreitar por cima dos ombros para ter a certeza de que não estamos a ser falsamente acusados. Querem que a dor daquelas crianças seja transformada em votos fáceis, cúmplices de um crime de desconfiança generalizada que fará de Portugal um problema sério no nosso mundo. Para isso, o argumento é fácil: quem não deve, não teme.

Mas eles devem, e não é por isso que temem de forma alguma. Não perderei tempo a recordar a barbaridade da legislação sobre creches promovida na nossa Região. Lembro, antes, que Rita Matias leu por estes dias a lista que já ficou lamentavelmente famosa, e depois admitiu que na verdade não verificou a sua veracidade. Sobre os maus-tratos que ela provocou naquelas crianças, ao ler e crucificar os seus nomes, nada se disse da parte da sua bancada parlamentar. Não são deles. Não são jovens de bem.

A essas afirmações, o partido da senhora não deu relevância. Afirmou mesmo que quem fez alarido foi a mítica extrema-esquerda, bicho papão construído para justificar a existência de partidos de ideologia fascizante. Matias ganhou notoriedade e, nos Açores, o seu companheiro partidário tentou usar tática oposta, mas igualmente assente no populismo, para fazer carreira. Acabou a defender crianças, dias depois de ter defendido quem quis fazer mal às mesmas. No tal estado policial que querem criar, ele não duraria dois dias.

Estas pessoas acreditam que se vão safar sempre. Não conhecem, nem querem aprender história. Para essa gente, a noite das facas longas é uma força de expressão, e não o dia em que André Ventura se vai fartar da sua utilidade e mandar o segurança a afastar do parlamento. As mulheres vão-se desejar na cozinha, belas e recatadas. Também é disso que viverá o estado de sítio que eles querem oferecer-nos. Ou paramos o comboio agora, ou não haverá mais estações para o mandar parar.

E mesmo na hora, em que escrevo estas linhas, eis que surge mais um “imprevisto”, revelado pelo Economista João Teixeira, em peça da RTP/Açores, que dá conta de um desvio de mais da metade do valor que o Governo Regional (GR) inscreveu no Orçamento Regional, proveniente de fundos comunitários. Caso para questionar. Se inscreveu 400 milhões de euros, quais as razões para a transferência de pouco mais de 170 milhões?

Exigem-se explicações e com carácter de urgência. Que instituição falhou? Qual a razão para o sucedido? Com que bases o GR inscreveu 400 milhões?

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