Tenho por hábito escrever os textos que envio para partilha convosco durante a semana anterior à sua publicação. Com raras exceções, tal permite maturar a forma como se colocam as questões e se reflete sobre as soluções, no entanto, desta vez, aguardei pelo resultado eleitoral. Ainda que tenha votado, antecipadamente e em consciência, permaneci ansiosa por poder reconhecer a vontade popular deste domingo. Não por almejar algum resultado em particular, que não fosse a vontade da democracia e a derrota dos novos fascismos, em concordância com o que se quer para o país.
Os resultados não foram os que eu desejava, mas como democrática que sou, e por muito que custe, aceito-os. Foi a população que ditou os números e percentagens. Foi o povo que determinou o seu/nosso futuro e o das gerações vindouras. E, por isso mesmo, felicito a deputada e os deputados eleitos pelos Açores, apelando a que não se esqueçam de quem aqui fica.
No entanto, constatar que mais da metade das e dos eleitores, inscritos nos cadernos eleitorais dos Açores, não votaram, obriga a uma enorme reflexão acerca das razões para tal. Uns, certamente, por descredibilização na política, outros por iliteracia política. E isto não é denominar ninguém de ignorante! É uma realidade. Nem todas e todos nós nascemos no mesmo ambiente, nem nos interessamos pelas mesmas temáticas. Há muita coisa que não percebo e assumo-o, sem qualquer problema. A iliteracia política não pode continuar a ser um tabu. Ela existe. E há que trabalhar para credibilizar a política e fazer chegar às pessoas que é esta que determina o presente e o futuro. Parece-me algo essencial.
Preocupa-me o futuro do país por observar as circunstâncias particulares em que vivemos, e não poder deixar de ter imenso receio do que se avizinha na linha do horizonte. Portugal, como qualquer país europeu, é bastante influenciado pelos Estados Unidos. Com o final da segunda Grande Guerra e a conquista de liberdades, veio a Guerra Fria, entre os poderes económicos e os controlos totalitários. No meio, ficaram os países enfraquecidos, que se deitaram à sombra das duas potências e acordaram em decadência e fragilidade. Graças a essa nova realidade, o futuro que Portugal vai construir após as eleições é previsível, se soubermos ler nas cartas dos norte-americanos as possibilidades em crescendo.
Trump e a sua corja de novos fascistas já foi alvo de milhentas análises, feitas por todo o tipo de pessoas, com as mais variadas ideologias e certezas. Não é objeto de trabalho neste texto a recriação de uma interpretação pessoal sobre o assunto. Quem ler este texto já sabe o que penso sobre o gangue de criminosos, brutamontes e chalupas que ocupa a Casa Branca e as suas sucursais. Todavia, importa perceber como é que lá chegaram. E esse caminho foi feito pela total falência do centrismo americano.
Nas ruas, falou-se muito em alianças ao meio. Políticas de convergência, protagonizadas e encarnadas no acordo de cavalheiros traçado entre Pedro Nuno Santos e Montenegro, referente à presidência da Assembleia da República, e que só serviu a um dos lados. Na política da atualidade, em decadência moral, os acordos tendem a cumprir o engrandecimento de apenas uma das partes. A outra, acaba lesada, direta ou indiretamente. Também por isso, o centrismo não pode fazer escola em Portugal, como não o fez nos Estados Unidos.
Para a esquerda do centro, os problemas que se levantam passam pelas grandes divisões internas, muitas vezes insanáveis, por motivos inexplicáveis. Partidos que, ideologicamente, tocam-se em quase todos os aspetos, congregam ódios e brigas que os levam a dialogar com muita dificuldade. As gerações de estadistas, já com idades avançadas, continuam a bloquear as pessoas que andam nos trintas e que são capazes de falar a linguagem do eleitorado contemporâneo. A esquerda permanece fustigada por si mesma, e teima em ter dificuldade em levantar-se. Não será demais recordar o legado do famoso pacto que António Costa traçou com o Bloco e o PCP. Por muito que se deseje branquear a história, nunca o país foi tão prolífero, no século XXI.
Esse poderia, contando com o Livre como novo vértice de pensamento, permitir combater o inchaço do conservadorismo bafiento e das grandes forças do ódio, do nazismo e do novo fascismo, financiadas pelos grupos económicos. Nos Estados Unidos, assistimos a uma resistência organizada por uma mulher, de 35 anos, lado a lado com um homem de 83, numa aliança de forças desesperadas por mudar uma nação que se afoga em raiva e incompreensão. A solução para fugirem aos monstros fascistas será, inevitavelmente, uma esquerda social forte e unida, capaz de remover do seu interior os falsos moralistas e os que lá andam apenas em busca de um poleiro.
Por outro lado, qualquer pessoa que analise de forma imparcial a situação política no mundo, saberá que nem só da esquerda poderá viver a Humanidade. Tal como em quase tudo na vida, é preciso equilíbrios que permitam à sociedade organizar o seu pensamento de forma clara, com todas as vertentes disponíveis para refletir e crescer. E, para isso, será preciso uma direita, que nos dê a alternativa de, pelo menos, dizer que não é por ali que vamos.
O PSD não é essa direita, atualmente. O grande resultado da campanha, e do que lhe antecedeu, foi a certeza de que Luís Montenegro é um líder à imagem dos seus dois grandes mentores: Cavaco e Coelho. Não pratica o ato de pensar por si mesmo, não lê nem se cultiva. Dá pouco valor à cultura, achando que é com a mais popular de todas as pimbalhadas que vai comemorar o Dia do Trabalhador, e aproveitando a mais pequena oportunidade para cancelar o 25 de abril. O caminho que ele percorre, ladeado por correligionários de todas as idades, é o mais perigoso percurso para a direita.
Também aí podemos inspirar-nos no modelo dos Estados Unidos. Com Bush e os seus sucessores, o partido republicano foi-se afastando do centrismo tradicional, extremando posições sobre causas sociais, alimentando ódios, casos e casinhos. Montenegro não é Trump, mas é, talvez, uma espécie de Mitt Romney, se o mesmo tivesse ganho as eleições. Está na porta, para impedir a entrada de pessoas que pensem pela sua própria cabeça e que sejam capazes de reformar um partido que se disse um dia social-democrata, mas que agora é mais neoliberal que os grandes neoliberais.
Com a continuação de Montenegro, ladeado por Hugo Soares, o PSD arrisca-se a cair na teia de Ventura. Trata-se de uma questão evidente, já executada de forma rápida e eficaz em Washington, e que Portugal replica de forma ténue, por enquanto.
Tristemente, alerto para o facto de não ser necessário que a direita se una formalmente para causar danos. Os 2/3 de deputados/as necessários já lá estão. E neste momento, PSD, IL, chega e CDS somam o suficiente para mexer na Constituição. O perigo deixou de ser abstrato para se tornar real, calculado e iminente. A Constituição da República Portuguesa não é um documento qualquer. É a esperança da continuidade de muitos dos nossos direitos, que não deve ser maquilhada, porque mais tarde não haverá botox suficiente para a recuperar.
Com o resultado de domingo, temo pelo fim da saúde pública, da Educação, do Direito à greve e a contratos de trabalhos e salários dignos que permitam combater a precariedade. Temo pela possibilidade da privatização da Segurança Social e de uma Justiça obrigada a se ajoelhar ao poder político, pois já percebemos que o 25 de Abril ficará somente em nota de rodapé ou reescrito ao gosto de quem sempre o odiou.
A mim, resta-me a vitória do Sporting Clube de Portugal, que permitiu que Portugal e muitos lugares no mundo (afinal, somos um país de emigrantes que odeiam imigrantes) se vestissem de verde e branco, numa onda de alegria e de familiaridade. Mas, resta-me, também não baixar os braços e render-me ao sucedido. Ontem lutei, hoje luto e amanhã lutarei, ainda mais, pelos valores e princípios em que acredito. Para um futuro melhor.