No final do Século XX e, com a assinatura dos Tratados Torrijos-Carter, em 1977, nos quais o Presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter aceitara ceder, de forma gradual, o controlo daquele canal ao Panamá, marcava-se o início do final de um capítulo daquilo que foi a influência direta de Washington sobre uma das rotas comerciais mais relevantes no panorama mundial, que se veio a efetivar em 1999. Apesar disso, e tendo em conta algumas aproximações chinesas, bem como um conjunto de desafios económicos e ambientais enfrentados pelo canal, reacenderam a questão de um possível retrocesso no acordo que durara quase um século. Estariam os EUA a reconsiderar a sua posição? Trump não deixou margem para dúvidas acerca desse tema, mas já lá vamos.
Desde a sua construção, o Canal do Panamá foi sempre mais do que uma simples passagem entre os Oceanos Atlântico e Pacífico. Serviu sempre como um símbolo da capacidade e robustez norte-americana, visto que garantia não só vantagens estratégicas no comércio mas também lhes proporcionava uma considerável e determinante mobilidade militar.
A título ilustrativo da importância do referido canal, durante a segunda grande guerra, esta via foi basilar para o transporte rápido de frotas, bem como para a projeção do poder norte-americano em várias latitudes. Importa, todavia, referir que o controla americano foi sempre um foco de tensões políticas e sociais no seio do Panamá. Se, por um lado, esta passagem de controlo foi tida como um passo no sentido da autodeterminação do país, por outro, foi encarada como uma oportunidade para outras potências disputarem a capacidade de influenciarem aquela hidrovia. Como referi anteriormente, a China, por exemplo, utilizou o soft power para fazer isso de forma vincada ao longo das últimas duas décadas, através de concessões estratégicas nos portos que controlam entradas e saídas do canal. Além disso, a China também financiou, através de diversas empresas, expansões e projetos de modernização. O marco mais significativo para a China foi a rutura de relações entre o Panamá e Taiwan, em 2017, tendo o Panamá passado a reconhecer oficialmente a República Popular da China.
Tendo isto em consideração, a crescente presença chinesa não passou despercebida em Washington. Para os Estados Unidos, o canal continua a ser uma peça fundamental no puzzle geoestratégico, para aquilo que é a segurança económica e militar do país, dado que uma percentagem muito considerável do tráfego que por ali passa está diretamente ligado ao comércio norte-americano.
Por isto, a possibilidade de a China consolidar a sua influência sobre o canal não é apenas e só uma questão de âmbito económico mas um desafio direto àquilo que tradicionalmente era a hegemonia dos EUA naquela região.
A nível diplomático, Washington, por via do soft power, tem pressionado o Panamá para reavaliar a sua dependência do investimento chinês e, paralelamente, os EUA têm procurado reforçar a sua presença militar na América Central, usando para isso, o pretexto do combate ao narcotráfico e o combate à imigração ilegal.
O futuro do Canal do Panamá pode vir a tornar-se um novo ponto de tensão entre os EUA e a China. Uma pressão exacerbada pode resultar na aproximação do Panamá à China, pelas razões já descritas. Por outro lado, se os EUA permitirem que Pequim continue a consolidar a sua posição no Panamá, podemos estar perante um cenário de crescente perda de influência norte-americana na região, com consequências evidentes para o comércio mundial. Uma coisa é certa, a história mostra-nos que raramente os EUA abdicam de posições estratégicas no tabuleiro da geopolítica internacional, pelo que o Canal do Panamá poderá ser um dos epicentros das disputas entre Estados Unidos e China, sobretudo depois da eleição de Donald Trump, seja através do soft ou do hard power.
Recentemente, Trump manifestou um interesse claro em reassumir o controlo do Canal, pelo que o Pentágono está instruído para elaborar planos de recuperação daquele ponto que assume uma posição geoestratégica de extrema importância. Entre os planos solicitados por Trump, estão uma possibilidade de cooperação estreita entre EUA e Panamá ou, a possibilidade menos desejável de uma intervenção militar direta.
Em oposição aos desejos de Trump, José Raúl Mulino já veio negar publicamente que o canal esteja em processo de recuperação pelos EUA, e tendo, inclusive, acusado Trump de mentir sobre o assunto.
As perspetivas de ação permanecem, aos dias de hoje, incertas. Importará ter em consideração os desafios diplomáticos e geoestratégicos que uma tomada de posição sobre este assunto possa desencadear.