Alexandra Manes

O Parlamento português fecha as portas. Está interrompida a reunião de plenário. Pelos corredores do pequeno poder, circulam os assessores e estagiários, numa correria interminável, para imprimir mais papelada, levar recados e trazer ameaças, justificando-se por ali existirem.

À noite estão no sofá, de cabeça entre as pernas, a desejar nunca ter escolhido tal inglória carreira, mas esperançosos num futuro ambicioso que nunca chegará.

O Parlamento está interrompido. Pedro Nuno Santos desce da sua bancada parlamentar devagarinho, e contempla duas portas por onde pode sair. Ao centro, nada de novo, para além de mais umas quantas teias de conservadoras aranhas. Na direita, estão dois matulões, com cara de ladrões de malas, prontos a recebê-lo. Pedro não sabe por onde ir, mas sabe que não irá por aquela portinha pequenina, à esquerda, onde para lá passar teria de despir uma série de casacos.

Com o Parlamento interrompido, Hugo Soares corre apressadamente em direção ao gabinete do chefe. Passa à frente a qualquer estagiário que se preze, demonstrando bem os motivos que o levaram aonde está. É o estagiário-mor, primeiro na linha da frente para repetir até à exaustão todos os argumentos que lhe impingirem, mesmo que não os perceba, nem sequer deseje perceber. O que interessa é defender, com razão, ou sem ela.

Hugo alcança a porta de Luís e bate regularmente à porta da capela. Do outro lado, Nuno Melo, completamente fardado em trajes militares decorados com a bandeira de Olivença, entreabre uma frecha. Tudo a postos para a sua entrada, caro colega.

Montenegro aguarda, silenciosamente, no topo de um estrado, de mãos entrelaçadas. Numa primeira impressão, poderia parecer que o ainda primeiro-ministro medita sobre a sua precária situação.

Observadores mais atentos poderão reparar na garrafa meio vazia, que esconde o nervosismo e tapa as rugas. Talvez consequência de algum comportamento urbano-rural, já denunciado pelo professor Marcelo? Nunca saberemos, agora que o presidente perdeu a voz num trágico acidente de choque de imoralidades.

Luís Montenegro ergue o olhar na direção de Hugo Soares. Estará tudo perdido? O estagiário abana a cabeça e jura que ainda conseguirá negociar com Nuno Santos.

Recorda ao seu patrão os tempos das Jotas, onde tudo se negociava à porta fechada e nunca era preciso ir a eleições, sem ser para formalizar o que já se sabia. Relembra que ele próprio sempre foi um dos grandes caciques da sua época, e que não era agora que ia perder tudo, só porque jogavam em frente a mais câmaras. Esperava-lhes uma estrondosa vitória, ao lado do futuro presidente Marques Mendes, vencendo nas câmaras municipais de todo o país e com André Ventura a tirar cafés na sede do PSD da
Malveira.

O ainda primeiro-ministro suspira. Está cansado daqueles “casos e casinhos”. Também ele foi das Jotas e estagiário-mor de Pedro Passos Coelho. Mas está grisalho. Com filhos crescidos e uma empresa bem-criada para alimentar. O sol já não lhe nasce com calor, e parece cada vez mais verde. Tudo o que Hugo lhe diz sabe a uma emoção de desconfiança. Pega na garrafa e enche mais um trago. Na etiqueta pode ler-se a marca branca: «SpinumViva Melhor», produto original da futura presidente de Portugal: Cristina Ferreira.

Pedro Nuno Santos passa à porta do gabinete do seu adversário. Pondera entrar. Já citou Sá Carneiro. Daí até ao bloco central é só um passinho de gigante. Ventura espreita ao fundo do corredor e lambe os beiços, de forma quase tão perniciosa quanto, alegadamente o seu colega de partido terá feito, enquanto acariciava crianças menores de idade. O líder do PS avança para a maçaneta, mas há qualquer coisa que o demove.

Será chuva? Será vento? Vergonha não foi certamente, mas há autárquicas no final deste ano quente, e é preciso mostrar alguma fibra. Fernando Medina, preso no teto por dois papagaios cor-de-laranja, solta uns impropérios e voa para longe, de regresso à torre do feiticeiro do Cavaquistão.

Os trabalhos no Parlamento retomam a sua força e eis que se dá o momento esperado. Montenegro, já tombado pelo remanescente da garrafa, aceita o seu destino de forma turva, enquanto Hugo Soares rasga as vestes e afirma que ainda irão vencer as eleições, e cada vez que abria a boca, mais me fazia relembrar Rabelais, no Rebanho de Panurge, “Panurge, sem mais dizer, atira ao mar o carneiro gritando e balindo. Todos os outros carneiros, gritando e balindo no mesmo tom, começaram a atirar-se ao mar logo a seguir, todos em fila. Cada um procurava atirar-se antes dos outros seus companheiros. Era impossível impedi-los, pois vós sabeis ser natural no carneiro seguir sempre o da frente, seja para onde for que ele vá.”.

Quase que aposta, mas deixa isso para quando for visitar os outros patrões ao casino.

Portugal apanha mais uma gripe, e como é um país de grandes patriarcados, sofre daquele problema já bem diagnosticado por Lobo Antunes: a constipação masculina. Neste caso, não sabemos se haverá pachos suficientes para curar esta febre toda, e a Lurdes está de férias, que não lhe pagam o suficiente para isto. Vamos para a primavera e, com o nevoeiro a levantar, talvez Sebastião não cavalgue entre as brumas cheganas, nem traga uma bandeira da Argentina liberal. Em quem é que se vota, até vos posso recomendar. Mas talvez o Tiririca tivesse razão. Pior que está, dificilmente fica.

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