Os Açores devem preparar-se para uma eventual deportação de emigrantes dos Estados Unidos da América (EUA), mas não devem aplicar o plano adotado na década de 90, porque os fenómenos têm características diferentes, segundo a psicóloga Suzete Frias.
“É importante que a região se organize e arranje um plano de prevenção ou de atuação, caso isto aconteça, mas não poderão nunca ser as mesmas respostas que foram desenhadas para a população que cometeu crime”, afirmou a psicóloga, em declarações à agência Lusa.
Suzete Frias trabalhou em várias instituições na ilha de São Miguel que acompanharam emigrantes açorianos deportados por terem cometido crimes.
No final da década de 1980, a legislação norte-americana foi alterada e muitos emigrantes açorianos foram deportados, sobretudo nas décadas de 1990 e 2000, não por estarem indocumentados, mas por terem cometido crimes, alguns até pequenos delitos.
“Foi um problema, porque foram deportados muitos e nós não estávamos preparados cá para [os] receber. E eram pessoas com um percurso de exclusão social antes da deportação, outros com problemas de toxicodependência, outros com entradas e saídas da prisão por motivos vários e outros até com doença mental, que os levou a cometer alguns crimes”, revelou a psicóloga.
Para Suzete Frias, a população que poderá ser deportada com a administração Trump terá características muito diferentes e, por isso, o processo de adaptação será mais fácil.
Muitos dos que chegaram na década de 90 tinham emigrado em crianças com os pais e quando regressaram aos Açores não falavam português, não partilhavam a mesma cultura e não tinham uma rede familiar de apoio.
“Quando agora falamos da possibilidade de deportar indocumentados, estamos a falar de uma população que, no seu grosso, emigrou já adulta, com competências. Foi à procura de uma vida melhor. E nós sabemos que a nossa comunidade, documentada ou não, está bem inserida na sociedade americana e tem contribuído positivamente”, salientou a psicóloga.
Há quem fale na possibilidade de existirem 5.000 famílias em situação irregular nos Estados Unidos, número que Suzete Frias acredita ser “excessivo”.
“Estes alarmismos, na minha opinião, poderão estar a centrar uma atenção disruptiva na nossa comunidade, quando deveríamos centrar a atenção pelo lado positivo. Tem sido uma população que tem contribuído em muito para o crescimento da América”, alegou.
Ainda assim, defende que a região se deve preparar para uma eventual deportação, começando por caracterizar essa população.
“O importante era fazer uma caracterização das pessoas que estão indocumentadas e que possam sofrer um processo de deportação. Ver há quantos anos emigraram, as suas áreas profissionais, as competências e aí pensar em incentivos, caso aconteça a deportação”, apontou.
O plano que o executivo açoriano já está a preparar para acolher estes emigrantes não pode ser uma cópia do criado na década de 90, porque as necessidades da população não são as mesmas, alertou.
Neste caso, as principais preocupações serão com a habitação e o emprego, pelo que Suzete Frias defende a criação de incentivos para que os deportados possam criar o seu próprio emprego ou para que as empresas açorianas os possam integrar.
“Muitos deles terão competências em áreas que podem até estar deficitárias na região e até pode ser um ‘input’ positivo para a região essa mão de obra”, salientou.
Os filhos menores, que já tenham nascido nos Estados Unidos, poderão não dominar a língua, mas as escolas açorianas já ensinam português como língua não materna para estrangeiros.
A psicóloga considera que o executivo açoriano e o Governo português devem tentar negociar os critérios de deportação e facilitar a legalização dos emigrantes indocumentados que vivem há mais anos nos EUA.
Devem também tentar garantir que os deportados não perdem direito às suas coisas e, em cooperação com as organizações lusófonas, “alertar e educar os possíveis indocumentados a arranjar um plano B”, que passe, por exemplo, por transferirem dinheiro para Portugal e por nomearem um procurador para tratar dos seus bens.
“O que tem acontecido com as pessoas que são deportadas por crime é que elas perdem completamente os direitos de tudo, inclusivamente de documentos como a carta de condução. Vêm sem nada”, alertou.
Suzete Frias acompanha há vários anos emigrantes açorianos deportados por terem cometido crimes. Os números são hoje mais reduzidos, sobretudo graças a um trabalho exaustivo por parte das organizações lusófonas, mas continuam a ocorrer deportações.
Dos que chegaram na década de 90, “muitos conseguiram integrar-se bem”, outros mantêm-se até hoje em acompanhamento, “porque têm patologias crónicas”.
“A deportação não foi um fator de exclusão. Eles já tinham um fator de exclusão lá, ou por patologia ou até por percursos criminais”, explicou.
Muitos emigraram em crianças e foram inseridos nas escolas sem saber falar inglês. Os pais tinham dois e três trabalhos, por isso cresceram “sem grande monitorização” e acabaram por “criar laços e vinculação a grupos de risco na rua”.
“Temos pessoas que cometerem crimes devido à patologia de adição ou de doença mental. Alguns foram presos por terem na sua posse canábis. Alguns cometerem homicídios ou roubaram, mas o grosso eram pessoas que, devido a patologias, cometeram pequenos delitos”, revelou a psicóloga.