Gualter Furtado

As relações financeiras entre o Governo da República e o Governo da Região Autónoma dos Açores foram sempre muito tensas, e principalmente até à entrada em vigor da primeira Lei das Finanças das Regiões Autónomas, pois, até então, não existiam nenhuns critérios objetivos e transparentes por parte do Governo da República que fixassem e justificassem os montantes das Transferências do Orçamento Geral do Estado para o Orçamento Regional dos Açores, assim, os valores eram fixados consoante a vontade do Governo Central, ano a ano. Nós do nosso lado, bem protestávamos, com o argumento de que as Transferências efetuadas pelo Governo da República eram insuficientes para cobrir os custos reais que o Governo dos Açores tinha com o cumprimento das funções do Estado, designadamente nas áreas da saúde, da educação, das acessibilidades, e outras. Foi neste contexto que o Governo dos Açores presidido por Mota Amaral e eu como Secretário Regional das Finanças dos Açores, ele colocou este tema na Agenda, fizemos um trabalho nas Finanças que justificava a necessidade de um novo Arranjo Financeiro com a República, que restabelecesse um relacionamento justo e transparente, e pusesse cobro à discricionariedade nas Transferências do Orçamento Geral do Estado. No seguimento deste processo o Ministro da República, o Tenente-general Rocha Vieira convidou o Governo dos Açores, que eu representei, a participar numa reunião no Ministério da Finanças para discutirmos as Transferências de Estado e em véspera da apresentação de uma proposta de Orçamento Geral do Estado à Assembleia da República, e assim foi, lá fui eu para Lisboa, e imediatamente antes da reunião no Ministério das Finanças o Ministro da República, convidou-me para um almoço num restaurante na Baixa, bem perto da antiga Sede do Benfica, nunca tinha entrado naquele restaurante, e nunca mais lá fui, a ementa foi espadarte fumado do Algarve, no fim do almoço, ofereci-me para pagar, a que ele me disse que estava ali na qualidade de convidado e assim foi .De seguida dirigimo-nos para o Ministério das Finanças, estavam já na sala, na cabeça da mesa o ministro das finanças, Miguel Beleza (1990-1991), que se levantou de imediato para o Ministro da República se sentar no seu lugar, cedendo-lhe a presidência da reunião, e ainda a Manuela Ferreira Leite na qualidade de Secretária de Estado do Orçamento e o Carlos Tavares de Secretário de Estado do Tesouro, acomodados todos, a reunião começou com os membros do Governo da República a apresentarem-me um Quadro que pretendiam publicar na proposta de Orçamento Geral do Estado e no qual, segundo eles explicitava todas as relações financeiras do Estado com a Região Autónoma dos Açores e consequentemente todas as Transferências do Estado para os Açores. Olhei para o Quadro e verifiquei que lá estavam contabilizados os valores que eles consideravam ser os défices das empresas públicas com sede no Continente e que resultavam da sua atividade nos Açores, chamou-me especial atenção os valores da TAP, mas também eles consideravam Transferências do Estado, os Fundos Comunitários dos Programas da União Europeia que estavam em execução nos Açores. Eu ia preparado para outro tipo de conteúdo de reunião, mas confesso que o que se estava a passar não me surpreendeu, expliquei que não podia, ou melhor, não podíamos aceitar aquela abordagem nem tecnicamente, nem como referência para chegarmos um novo Arranjo Financeiro entre a República e a Região Autónoma dos Açores, logo, não concordávamos com a sua inclusão no documento da proposta do OGE, podiam o publicar, mas era da exclusiva responsabilidade deles, e assim, com urbanidade acabou a nossa reunião.

A partir deste dia as relações que passei a ter com o Ministro da República o Tenente-general Rocha Vieira foram sempre de grande cordialidade, recordemos que este era um tempo em que as Transferências do Estado chegavam ao Orçamento dos Açores via Gabinete do Ministro da República, que as recebia e só depois procedia e dava a autorização para serem transferidas para o Orçamento dos Açores, prática que só terminou com a entrada em vigor da primeira Lei das Finanças Regionais, pois a partir desta data as Transferências do Estado passaram a ser feitas diretamente do Ministério das Finanças para a Secretaria Regional das Finanças do Governo dos Açores. Na “brincadeira” às vezes dizia que tinha valido a pena ter feito parte do Grupo de Trabalho que preparou a anteproposta desta primeira Lei das Finanças Regionais, nem que fosse só por este artigo que mudou a forma e o percurso das Transferências do Estado.

Nota:

Infelizmente e segundo informação recente o percurso das Transferências do Orçamento Geral do Estado ainda se mantém igual nos dias de hoje, isto é, continuam a vir pelo Gabinete do Representante da República.

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