Por vezes somos surpreendidos com desafios que exigem ponderada reflexão. Foi isso que me aconteceu recentemente. A caminho dos 20 anos de exercício de funções públicas, divididos por quase 9 anos na qualidade de Técnico Superior (jurista) na administração pública regional e 11 anos na qualidade de Adjunto de Grupo Parlamentar (PS) na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, fui contactado pelo Senhor Secretário Regional dos Assuntos Parlamentares e Comunidades, Paulo Estevão, para aquilatar da minha disponibilidade para assumir um cargo dirigente na administração pública regional.
Sem prejuízo da surpresa inicial, gostei da forma como foi feita a abordagem. A tónica foi colocada na missão que me estava a ser proposta e, num segundo plano, no posterior e legalmente exigido procedimento concursal. E o que estava em cima da mesa era a temática das “migrações”. Uma área reconhecidamente complexa, de extrema sensibilidade, e que exige união na defesa intransigente do respeito pela dignidade humana. A reposta à missão não foi dada de imediato, mas a reflexão foi célere.
Num “prato da balança” estavam as diferenças quanto à forma de governo, quanto aos partidos e respetivas ideologias, quanto a diversas opções políticas, e até (para desanuviar) as diferenças clubísticas entre os interlocutores; no outro “prato da balança” estavam imagens que proliferam nas televisões de histórias de pessoas que são forçadas, pelas mais variadas circunstâncias, a recomeçar a vida noutros destinos.
Pessoas que, por exemplo, podem ser vítimas do anunciado megaprograma de deportação do Presidente eleito Donald Trump. Pessoas que podem ser atualmente parte integrante da numerosa comunidade de origem açoriana radicada nos Estados Unidos da América. Pessoas que, muito em breve, a Região poderá ter que dar uma resposta.
Esta “balança”, obviamente, não registou qualquer tipo de equilíbrio. O respeito pela dignidade humana supera, pelo menos para mim, qualquer das diferenças acima elencadas. A missão proposta só tinha uma resposta possível. Recusar seria trair aquilo que mais prezo: a minha consciência. E esta, desde a primeira conversa, que se inclinou para dizer presente a todos aqueles que precisam ou virão a precisar dos serviços públicos com atribuições e competências na área das migrações.
A Região Autónoma dos Açores em que acredito, e me revejo, é um espaço de integração entre residentes, comunidades imigradas, emigradas e regressadas, sendo que daqui resulta uma sociedade em que se respira a interculturalidade. É aqui que reside a grandeza maior dos Açores.
Poder contribuir ativamente, nem que fosse por um dia, para esta minha visão dos Açores é uma enorme honra e um enorme desafio. Desafio que exigirá dedicação total. Desafio que tem inerente um notório caráter suprapartidário. Desafio que, consequentemente, exige, do ponto de vista pessoal, tomar algumas decisões.
Entendo que um dirigente, que nos termos legais está exclusivamente ao serviço do interesse público, não deve ter exposição pública ou mediática, pelo que suspenderei, a partir da presente data e enquanto perdurar a comissão de serviço iniciada no corrente mês, a colaboração semanal com este Jornal que me acolhe há mais de 4 anos, agradecendo, na pessoa do seu ilustre Diretor, a oportunidade de livremente expressar o que me ia na alma.
De igual modo, informo que suspendi o mandato na Assembleia Municipal de Ponta Delgada e na Assembleia de Freguesia de São Sebastião. Fi-lo por considerar que o caráter suprapartidário da missão que aceitei não é compatível com a continuidade em fóruns partidários.
A opção pode ser discutível, mas é o que dita a minha consciência. A mesma que me fez dizer “sim, pelos Açores!”