Aos onze anos de idade, absorve-se tudo o que se passa à nossa volta. O cérebro ainda é uma esponja sem limites, embora seletiva no que deve manter para futuro.
Desse tempo, e de anos muito mais recuados, da política retenho o dia da morte de Salazar, em pleno verão, por entre umas férias passadas no campo, em casa da avó materna, nascida nas terras altas da Serra da Estrela, com a rádio, então único meio de informação global nas nossas ilhas, a fazer a apologia da personalidade e a debitar música fúnebre, incutindo nos espíritos sensíveis dúvidas sobre o futuro da Nação.
Guardo também o recato das conversas, incluindo o anedotário, que deviam ficar longe da política e dos seus protagonistas.
E ainda recordo a angústia de um dia ter de me aprontar para ser herói da Nação a combater “terroristas” em terras do império…
Daquela quinta-feira não guardo memória. As horas e os afazeres misturaram-se nas tarefas do costume, de casa à escola do “Ciclo Preparatório”, os deveres, mais a alegria do recreio, a nossa liberdade entre aulas, só confiscada e censurada por atropelos físicos ou excessos que os bons costumes reprimiam. Do dia seguinte, sim. A escassez de notícias contrastava com a abundância de canções jamais ouvidas na Emissora Nacional. A língua era a de Camões, mas a melodia fugia ao fado vadio e à canção nacional – a Grândola repetida vezes sem fim. E logo depois o desalojamento da PIDE, junto às portas da cidade, e a eliminação da toponímia do regime derrubado. Uma primavera de festa, brotando mais alegria do que cravos, à espera de um futuro melhor.