A produção de leite nos Açores está a perder milhares de euros por dia, por não selecionar os animais com base no DNA, procedimento que já pode ser realizado na região desde 1998, defendeu hoje o investigador Artur Machado.
“Nós nos 600 milhões de litros de leite que produzimos estamos a perder diariamente uns milhares acrescentados de euros, para não dizer milhões, por causa de uma mutação que define o genótipo de k-caseína A e o genótipo de k-caseína B, que tem um rendimento queijeiro muito superior”, afirmou o investigador do Centro de Biotecnologia dos Açores (CBA), da academia açoriana, Artur Machado.
O docente falava, em Angra do Heroísmo, na apresentação da Biotech Synery, primeira ‘spin-off’ (empresa criada a partir de um centro de investigação) da Universidade dos Açores, que criou junto com os investigadores do CBA Duarte Mendonça, Maria Susana Lopes e Ana Rita Azevedo.
O pacto social que formalizou a criação da Biotech Synergy foi assinado hoje no Parque de Ciência e Tecnologia da Ilha Terceira – Terinov, onde o Centro de Biotecnologia dos Açores está instalado.
A empresa pretende aplicar o conhecimento da investigação em biotecnologia nos setores agrário, ambiental, bioindustrial e da saúde e bem-estar.
É sobretudo na agricultura, e em concreto na produção de leite, que Artur Machado defende que a Biotech Synergy pode fazer a diferença, por exemplo, efetuando análises genéticas, que atualmente são feitas no estrangeiro, mas já podem ser realizadas pelo CBA desde 1998.
“Há genes específicos que condicionam a produção de sólidos no leite, por exemplo, as k-caseínas, as beta-caseínas. O produtor, ao ter acesso a essa informação, tem uma ferramenta que lhe permite escolher o que é que ele quer produzir. Se a indústria receber um melhor leite, também terá de acompanhar”, afirmou, em declarações aos jornalistas.
“Cada vez caminhamos mais para uma agricultura de precisão. Não pode haver desperdícios, não pode haver perda de tempo, não pode haver más escolhas. É aí que a tecnologia pode ajudar”, acrescentou.
Para o investigador, a região tem de aliar investigação e indústria, para ter “produtos de valor acrescentado muito mais elevado e capazes de competir com o estrangeiro”.
“Não nos serve de nada produzir um terço do leite nacional se nós não conseguimos ter um valor acrescentado deste produto. Temos uma matéria-prima excelente que depois é vendida como leite em pó ou como leite UHT, que são as formas mais simplistas de comercialização de leite”, alertou.
O objetivo da empresa é não só ajudar a economia açoriana, mas aplicar os serviços desenvolvidos noutros países.
“A nossa universidade não é uma universidadezinha, é uma universidade como qualquer outra e tem de se lhe prestar atenção. Temos de ser capazes de concorrer”, sublinhou Artur Machado.
O investigador reivindicou, no entanto, um maior investimento em ciência na região, lembrando que a fábrica de inovação de produtos lácteos prevista para o Terinov, inaugurado há três anos, continua por equipar.
“Às vezes a própria região esquece-se da ciência, esquece-se do financiamento da investigação fundamental e da aplicação. Principalmente nas áreas agrícolas, a região sofre imenso, porque não há uma decisão clara no investimento da ciência fundamental ligada à principal fonte de rendimento da região, que é a agricultura”, criticou.
No Centro de Biotecnologia dos Açores, a investigação é de qualidade, mas faltam recursos humanos, segundo Artur Machado.
“A prova de que as universidades portuguesas têm boa qualidade é o número de investigadores portugueses que estão no estrangeiro. Não falta aqui qualidade, faltam é os meios para os manter. Nós próprios, Centro de Biotecnologia, infelizmente perdemos continuamente ótimas pessoas, que vão para o estrangeiro”, frisou, revelando que o CBA tem perto de três dezenas de investigadores.