Num lugar longínquo, a tribo reuniu-se para decidir o que fazer no tempo futuro. Era sempre assim, juntavam-se anciãos, chefes, curandeiros, sacerdotes, guerreiros, caçadores, artesãos e toda a sorte de gente habilitada para decidir a distribuição dos cereais para o ano seguinte. Tratando-se da sobrevivência de todos, o momento propiciava tensão, contradições e exigências. Até chantagem, cada um reclamando mais cereais para o seu grupo, constantemente insatisfeito.
Este ano a liturgia repetiu-se, mesmo havendo mais cereal para distribuir. E nunca houvera tanto.
Com a notícia de mais milho, sorgo, arroz, trigo, teff e quinoa, voltou o ritual anual das lamentações. Na tribo há sempre quem descubra que, afinal, o cereal não chega. Não chegou no ano anterior, nem no outro antes desse, e, ao que parece, também não chegará no próximo. Há na tribo um talento raro: transformar qualquer aumento em sinal de carência, quanto mais cereal anunciado, maior parece ser a sensação de escassez. Portanto, uma coisa nunca falha, a capacidade da tribo de encontrar falta onde os números mostram abundância. Para cada tonelada extra de cereal, há sempre uma nova fila de insatisfeitos prontos a exigir que, desta vez, seja realmente suficiente. Alguma vez será?
Ah! Os que mais reclamam são também os que, com comovente consistência, continuam a reclamar todos os anos na reunião da tribo.
Tudo isto é ficção e qualquer relação com a realidade será mesmo coincidência. Mas, tal como nas parábolas do evangelista, modestamente, poderá (?) concorrer para algum ensinamento.




















