Hoje acordei em choque. Perplexo. A notícia de que um professor condenado por abusar de uma aluna de 12 anos poder, ainda assim, voltar a dar aulas é motivo de abertura de uma ferida grave na nossa sociedade. Mais uma ferida grave. Esta ferida aberta no sistema educativo provoca a sensação, real e absolutamente justificável de que estamos a falhar enquanto comunidade no sentido de proteger quem é mais vulnerável.
Se um adulto que dispõe do poder e da autoridade sobre uma criança esbarra numa linha ética elementar e comete algum tipo de abuso, não estamos perante uma espécie de um mero “deslize”, mas sim perante uma traição profunda àquilo que deve ser o papel de um docente.
Em primeiro lugar, há uma questão moral que é incontornável. Um docente não é apenas alguém que dissemina conteúdos curriculares. É sim alguém que tem em si alocada a responsabilidade de formação humana, de crianças e de adolescentes. Quando essa pessoa quebra, de algum modo, a confiança, aquilo que diz ser a sua vocação torna-se um perigo evidente. Permitir ou tolerar que alguém condenado por tal crime possa regressar a uma sala de aula, mesmo que sob restrições, é rendermo-nos à lógica do risco.
A sociedade não pode aceitar que o “sistema” permita este regresso como se nada tivesse acontecido. Sei, perfeitamente, que a minha opinião é polémica. Sei também, que muitos poderão argumentar que todos merecemos uma segunda oportunidade. Nesta matéria, sou inflexível. Em hipótese alguma, esses princípios poderão sobrepor-se à proteção de crianças e adolescentes. A vulnerabilidade dos menores exige que a precaução prevaleça.
Em segundo lugar, há um problema de segurança e também de prevenção. Vamos olhar para as estatísticas. A reincidência em crimes de natureza sexual não é estatisticamente irrelevante. A função de um professor envolve contacto com os alunos. Muitas vezes, em ambientes onde o poder, a dependência e a vulnerabilidade andam de mãos dadas. Se o “sistema” falha em garantir que quem abusou de um aluno não volte ao ensino, estamos a criar um cenário de ameaça e de desconfiança permanente. A notícia de que professores alvo de condenação podem continuar em funções confirma esse receio.
Em terceiro lugar, existe um grave problema no que concerne à transparência e à responsabilização das instituições. Como é que é possível que um professor com uma condenação, seja ela visível ou em processo, lhe permita tal regresso? Qual o impacto no ambiente escolar, na confiança dos pais, no bem-estar das crianças? Há uma lacuna evidente entre a condenação criminal, o sistema educativo e as garantias de proteção que, a meu ver, deveriam ser inquebráveis.
Não vamos esquecer a mensagem social perversa que tudo isto gera. Ao permitir o regresso a funções de educação de alguém que abusou de uma criança, estamos a enviar-lhe uma permissão simbólica para a continuidade ou repetição do ato ou, no mínimo, a minimização da gravidade desse ato. O sistema educativo e a sociedade em geral deveriam ser implacáveis. O direito à reintegração profissional não pode colocar em causa o direito à segurança das crianças. Creio que aqui a balança está completamente descompensada.
Afinal onde colocamos a linha vermelha de tudo isto? Para mim, é claro. A linha vermelha deve estar na condenação. Ou seja, uma condenação por abuso sexual de menor deve implicar inequívoca e permanentemente a proibição de dar aulas a menores. A escola deve funcionar como uma instituição protetora dos alunos, deve proporcionar um ambiente seguro.
Em conclusão, a reintegração profissional neste contexto não pode ser considerada um direito absoluto, mas sim algo condicionado à inexistência de qualquer contacto com menores, sob supervisão rigorosa ou num regime que exclua menores. Zero tolerância para quem trai a confiança daquilo que o ensino representa. Há vidas em jogo e aqui, o erro não pode voltar a repetir-se.




















