A vitória de Javier Milei nas eleições legislativas intercalares argentinas, com mais de 40% dos votos do eleitorado a recaírem sobre o seu partido La Libertad Avanza, marca, na minha opinião, um ponto de viragem não apenas para a política económica e institucional da Argentina, mas também para a geopolítica. Por um lado, revela que um segmento muito significativo dos eleitores argentinos aposta no seu projeto de choque liberal. Por outro, levanta sérias questões sobre a perceção que nos entra em casa acerca dos principais líderes mundiais.
Quando Milei assumiu funções, a Argentina enfrentava níveis de inflação quase estratosféricos, um défice considerável e difícil de suportar, bem como uma economia em ponto de rutura. Milei optou então por impor medidas de austeridade fortíssimas, tendo celebrizado o termo “afuera!”. Sob a sua “batuta”, foram realizados cortes e fusões em ministérios, foram extintos órgãos públicos, foi feita uma redução drástica de subsídios, e foi efetuado um rigorosíssimo controlo orçamental. Como consequência disso, a inflação começou a ceder, o défice orçamental reduziu, tendo sido garantido um equilíbrio orçamental determinante para o futuro daquele país. Este desempenho explica, de forma parcial, o apoio popular que Milei ainda possui, mesmo com todas as vicissitudes que se sucederam ao longo dos últimos meses.
É sabido e notório que o cenário político e económico na Argentina está longe da estabilidade plena. Todas as políticas de choque têm inerentes custos sociais, mas também económicos que se manifestaram com bastante notoriedade. Desde logo, aumento do desemprego e a pobreza, sintomas estes que fazem com que as pessoas ainda não sintam melhorias significativas no seu dia-a-dia. O crescimento económico também permanece frágil com uma previsão um pouco modesta para o próximo ano.
É fundamental também pensar sobre a questão das perceções. No plano internacional e, com a ajuda da generalidade da comunicação social, Javier Milei é frequentemente retratado como um risco às instituições democráticas, ou como um populista de extrema-direita como tem sido habitual. Em simultâneo, muitos argentinos têm a opinião de que apesar das dificuldades sentidas serem reais, a política de estabilidade de preços, associada à disciplina fiscal é valorizada, sobretudo após um longo período de consecutivas crises económicas.
É evidente o fosso existente entre a perceção externa e interna, a primeira mais focada no estilo beligerante de Milei, no que concerne à retórica, e a segunda, mais focada nos resultados económicos e na urgência de verdadeiras reformas profundas. Este fosso é muito relevante. Exige uma leitura equilibrada daquilo que se passa na Argentina. Por um lado, devemos avaliar os riscos, como a erosão institucional, o estilo de comunicação de Milei e todas as fragilidades sociais. Por outro, importa reconhecer que no plano político estrutural, e até no plano económico, há dados que nos permitem concluir que a Argentina está a progredir, de forma paulatina mas constante.
Javier Milei será, inevitavelmente um indivíduo histórico na política argentina, restará saber se, alguém que ousou fazer uma intervenção dramática no modelo económico, através de tudo aquilo que elenquei anteriormente, será bem-sucedido nas suas ações, com a manutenção de um crescimento sustentado e sustentável, com emprego digno, com coesão social. Se não o conseguir fazer, corre o risco de deixar cair o país em novo cenário de instabilidade. Veremos o que acontece. Para já, os argentinos foram claros. Milei tem a sua confiança.




















