Terminadas as eleições, avaliados os resultados, com juras de sangue romano e traições teatrais, o universo seguiu em frente e foi, finalmente, trazida a debate uma proposta que me parece essencial para o futuro da Região. Refiro-me à alteração do Decreto Legislativo Regional (DLR), referente ao Regime Jurídico de Apoio a Atividades Culturais (RJAAC), que continha uma revisão aprofundada, adequada à atualidade e realidade sentida no seio das atividades culturais.
Uma proposta capaz de dar resposta ao cenário apocalíptico que nos deixaram os últimos dois governos de José Manuel Bolieiro neste setor.
De propositura do Bloco de Esquerda, com propostas de alteração do Partido Socialista, com contributos diversos de agentes culturais espalhados pelas nossas ilhas, foi elaborado um documento digno, que conheço bem, e que pode ser consultado por quem tiver interesse em perceber o que estava em jogo.
Foi reprovada a proposta. Sem grande debate, diga-se. E com muita fantochada à mistura. O que deveria e poderia ter sido um esgrimir de argumentos, com maior ou menor legitimidade, rapidamente caiu num teatro de vaidades, como só assistimos quando se trata de Cultura.
A direita portuguesa sempre nos habituou a maus caminhos neste setor. Mas, à medida que o mundo parece empobrecer ao nível das ideias, a Cultura é cada vez mais atacada, de forma bárbara e sem lógica. Assim foi, a 14 de outubro, pelas 15h15, quando o Plenário começou a sua ronda de intervenções sobre a proposta de alteração do DLR, em questão.
Começou por tomar a palavra a Secretária com a pasta da Cultura, que ainda a segura, mesmo que seja duvidoso o seu interesse na mesma. Falou durante poucos minutos, para dizer que o seu Governo tinha apresentado uma alteração ao Decreto Regulamentar Regional (DRR) que assegura o regulamento do regime de apoios, e que esse trabalho tinha sido feito em modelo de “negociação sindical”, para se escudar na sua prévia experiência naquele setor. Ao fazê-lo, deixou claro um vasto conjunto de problemas. Desde logo, o modelo de concertação sindical que ela defendeu no passado não pode, nem deve ser aplicado a agentes culturais. Depois, afirmou que a proposta legislativa, em causa, não seria proveitosa, porque o regulamento novo estava a funcionar e precisava de ser analisado.
O que ficou claro é que a Secretária, com a pasta em questão, pareceu fazer crer que desconhece a diferença entre um DLR e um DRR, considerando que resolveu todos os problemas dos/as agentes culturais com um regulamento. Basta pensar que um DRR, independentemente das pessoas consultadas, é uma decisão unilateral, neste caso em concreto, uma decisão do Governo Regional, que se dizia transformista, transparente e que queria centrar as decisões nos debates, em plenário.
Ora, consta que o Regulamento não tem funcionado como se esperava, com muitas críticas de quem trabalha na Cultura, e que não responde às necessidades de base, que só podem ser verdadeiramente lapidadas com um novo diploma legislativo. Infelizmente, parece que, afinal, o que importa são os registos fotográficos em cenários “cool”, a tomar uns “drinks” com uns artistas e dizer que se é culturalmente profícua.
Seguiram-se as argumentações por parte dos partidos que sustentam o atual elenco governativo, que já nos habituaram ao seu, aparente, desprezo pelas pessoas que trabalham no setor da Cultura, com a velha, e ainda não gasta, retórica da subsidiodependência. Como não podia deixar de acontecer, ouviram-se acusações de a esquerda ser elitista, com as diatribes do costume, sem nunca reconhecer que o verdadeiro elitismo reside na ideologia neoliberal que o PSD tenta mastigar à força para sobreviver no pântano que se tornou a direita política.
Por seu lado, a Iniciativa Liberal reprovou a proposta afirmando que era boa, mas que os Liberais vão fazer melhor. Entretanto, as pessoas que trabalham na Cultura desesperam.
Ainda assim, o chega estava cabisbaixo naquele dia, pouco gritou sobre Cultura, como habitualmente faz. Limitou-se a desconfiar da/os agentes culturais, como de costume, a ler uma missiva, provavelmente levada a burro ou a cavalo. Da parte do PPM, houve, também, a leitura de uma mensagem, num tom reprimido, talvez por haver uma lacuna nos serviços médicos na ilha do Corvo que precise de ser preenchida em breve.
O Deputado único do BE e a Deputada Marta Matos, do PS, defenderam a proposta em causa, deixando claro que um/a agente cultural é tão importante quanto as empresas que a direita gosta de proteger a todo o custo. Na verdade, o regime não deve ser entendido como um apoio ou um subsídio, mas sim como um investimento que a Região faz na sua economia cultural, tão ou mais relevante que outras economias, que os empreendedores de nos querem vender a toda a força.
A proposta apresentada pelo BE e secundada pelo PS contou com quase duas dezenas de pareceres positivos por parte de agentes culturais. Todos/as apresentaram medidas para melhorar o Decreto Legislativo e apelaram a uma mudança necessária no setor. Os/as mesmos/as agentes que já disseram, repetidamente, que o novo regulamento não funciona, que os patamares de apoio são “areia para os olhos” e que a plataforma digital está tão avariada quanto a estratégia de ação do Governo Regional. A proposta foi reprovada. O Parlamento Açoriano ouviu parte dos/as eleitos/as, mas não escutou quem trabalha na Cultura. Falhou, como costuma falhar o governo de Bolieiro, principalmente em questões de Cultura. Enquanto isto, ser agente cultural nas nossas ilhas é um risco, para lamentar.
Termino, citando as palavras da Deputada Marta Matos, nas quais me revejo e muito me orgulham: “A Cultura não é assessória, é estruturante e os agentes culturais não são pedintes, são parceiros.”. Um slogan a imprimir em t-shirts, autocolantes, cadernos e demais assessórios.
Marta, quando se defende aquilo em que acreditamos, de forma genuína, sai da alma e do coração. Como só tu o sabes fazer. Parabéns!



















