As eleições autárquicas deste mês reconfiguraram o mapa político português e deram início a um novo ciclo no que diz respeito ao poder local, marcado por um regresso expressivo do PSD, que conquista os cinco municípios mais populosos do país, e por alguma perda de influência socialista junto do eleitorado. Com 136 câmaras municipais conquistadas, os social-democratas voltam a assumir a liderança autárquica a nível nacional, tendo recuperado a presidência da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Este resultado assume especial relevância por ter sido alcançado num contexto de clara fragmentação do espaço político e de uma crescente volatilidade do voto.

O PSD reforçou a sua presença territorial ao conquistar 22 câmaras adicionais face a 2021, entre as quais se destacam recuperações de forte valor simbólico, como Beja, por exemplo. Por sua vez, o PS obteve 128 câmaras, menos 21 que em 2021e, embora tenha registado vitórias relevantes em capitais de distrito como Viseu e Bragança viu enfraquecida a sua implementação autárquica.

A disputa autárquica de 2025 confirmou ainda a implementação de um novo protagonista autárquico, o Chega. Apesar de não repetir o impacto que teve nas legislativas, o partido liderado por André Ventura deu um passo decisivo na sua afirmação local, tendo conquistado três câmaras municipais, Albufeira, São Vicente e Entroncamento, além da eleição de vereadores em dezenas de concelhos. Na minha perspetiva, este avanço traduz a primeira etapa de uma estratégia de implantação territorial que procura transformar o voto de protesto num voto de proximidade.

No campo das forças políticas mais tradicionais à esquerda, a CDU voltou a registar perdas significativas, tendo descido de 19 para 12 câmaras e perdendo as capitais de distrito de Évora e Setúbal. Em contraciclo, o CDS-PP manteve as suas seis autarquias e preserva um núcleo de influência local estável. Bloco e IL praticamente demonstraram não ter expressão ao nível autárquico, por via de uma fraca estruturação local e de uma clara ausência de candidatos com enraizamento territorial.

Entre as mudanças mais simbólicas, a vitória socialista em Viseu constitui um dos resultados mais surpreendentes da noite eleitoral. Após décadas de domínio social-democrata, os eleitores quiseram mudar, o que é bem demonstrativo de que o voto autárquico continua a ser profundamente pessoal e assente na relação de confiança entre eleitos e eleitores, fugindo à simples lógica partidária.

Nos Açores, à semelhança do país, o cenário ilustra bem as particularidades do poder local. O PSD foi o partido que mais câmaras conquistou no arquipélago, nove no total, mesmo tendo ficado atrás do PS em termos de percentagem global de votos. O PSD manteve a preponderância em municípios-chave através de coligações com o CDS-PP e PPM.

O mapa político local está claramente em transformação, numa mudança que não é uniforme. Se nos concentrarmos nos “três grandes” (do ponto de vista parlamentar), o PSD reafirma-se como o partido da implantação territorial, o PS enfrenta uma espécie de travessia estratégica na oposição e o Chega inicia agora a sua caminhada de consolidação local. Nas ilhas e no continente, a proximidade e a credibilidade dos candidatos continuam a ser o verdadeiro barómetro do poder local e, consequentemente, da democracia portuguesa.

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