A cultura do cereal, designadamente do trigo e do milho, é tão antiga nos Açores como o início do seu povoamento. O cultivo do trigo, de meados do séc. XV a meados do séc. XVIII, foi a cultura agrícola dominante nas ilhas de São Miguel e da Terceira, mas também nas outras ilhas teve uma presença relevante, sendo, na sua maioria, destinado à exportação para o Reino de Portugal e principal impulsionador desta estratégia económica de especialização produtiva dos Açores de então.

A produção de trigo nas ilhas, e especialmente em São Miguel e na Terceira, foi tão intensa que levou ao esgotamento de alguns solos, levando ao seu abandono e pousio. Este período ficou conhecido nos Açores como o Ciclo Económico do Trigo, sendo depois substituído pelo ciclo económico da laranja, a que se seguiu o ciclo económico dos produtos agroindustriais (chá, chicória, ananás, criptoméria, etc.), sendo mais tarde claramente dominado pela produção pecuária, dando origem ao ciclo económico da vaca, que se afirmou na economia açoriana até aos dias de hoje, embora presentemente comece a impor-se o turismo, e em muitos aspetos numa lógica de complementaridade ao setor primário.

O que estes ciclos económicos têm todos em comum, mesmo o primeiro de todos, que foi o do pastel, é serem, em grande parte, impulsionados a partir do exterior (procura externa) e serem baseados num único produto claramente dominante.

Mas, regressando à produção do cereal, o aparecimento e utilização dos moinhos de água foi natural neste contexto de produção de trigo e milho e num ambiente natural favorecido com água e ribeiras, tendo então, no concelho da Povoação, uma presença espetacular de debulhadoras e moinhos de água, em conformidade com a designação que lhe foi atribuída de “Celeiro da Ilha de São Miguel”.

No Vale das Furnas, uma freguesia que administrativamente pertence ao concelho da Povoação, em meados dos anos 60 do séc. passado, conheci, nas Furnas, em atividade, vários moinhos de água, designadamente três muito próximos da Chão da Ribeira; um na Água Quente, o moinho do Sr. Aires Machado; outro na Rua do Hotel, o moinho da Senhora Clotilde — hoje conhecido como o Moinho-Museu da Tia Jacinta —, e ainda um outro, de um parente nosso, o Tio Carreiro, nas Caldeiras das Furnas e muito próximo da Água Azeda. Naturalmente, deviam ter existido mais.

Como curiosidade, refira-se que a Freguesia das Furnas, em 1960, tinha 3361 habitantes — mais do dobro do que tem hoje.

Com o aparecimento da eletricidade, das moagens de maior dimensão e do emprego de novas tecnologias, os moinhos de água tradicionais, mas também os moinhos movidos a vento, espalhados pelas diversas ilhas, foram desaparecendo até praticamente à sua extinção, salvo alguns poucos resistentes e com funcionamento descontinuado ou museológico, como é o caso do que existe no Museu do Trigo, na Povoação, e que merece ser visitado pelo seu interesse patrimonial e testemunho de uma importante época da história dos Açores.

A recuperação destes moinhos, quando possível, deveria ser apoiada, assente numa lógica de manter vivas as nossas raízes e até como base de um turismo sustentável e de qualidade. Enquanto não é tarde, impõe-se o levantamento e estudo destes moinhos. É assim que se procede nos países desenvolvidos. É, pois, uma área a recuperar e dinamizar nos Açores.

 

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