Micaela Carreiro, Solicitadora | Crónica uma parceria Jornal Açores 9 e Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Em Portugal, cada vez mais casais escolhem viver juntos sem casar. No entanto, essa decisão, ainda que pessoal e legítima, levanta frequentemente dúvidas quando surgem questões legais: o que é, afinal, a união de facto? Que direitos confere? E, sobretudo, o que a distingue do casamento?

A união de facto é uma situação jurídica reconhecida que protege duas pessoas que vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos consecutivos. Essa convivência deve ser estável, pública e contínua, mais do que uma simples coabitação.

O reconhecimento da união de facto não depende de registo civil, mas é recomendável formalizá-la na Junta de Freguesia, mediante declaração conjunta e prova de residência no mesmo domicílio.

Muitos casais acreditam, erradamente, que a união de facto é “como o casamento, mas sem papel”. A verdade é que não é equivalente.

A união de facto não cria um regime de bens, nem estabelece automaticamente direitos sucessórios.

Em caso de falecimento de um dos membros, o sobrevivente não é herdeiro legal — salvo se existir testamento.

Na União de Facto, as regras são diferentes:

  1. Não há Herança Automática: Se um dos unidos de facto falecer sem ter feito testamento, o seu companheiro sobrevivo não herda nada do seu património. A herança será distribuída pela ordem legal de sucessão: filhos, depois pais e ascendentes, depois irmãos, etc. O companheiro ou companheira fica de fora da partilha dos bens.
  2. Direito à Casa de Família: O principal direito que protege o unido de facto é o de habitação. O sobrevivente tem o direito a residir na casa que era a morada de família por um período mínimo de cinco anos, ou por um tempo igual à duração da união (se esta for superior a cinco anos). É um direito crucial que garante um teto, mas que não o torna proprietário.
  3. Direitos Sociais: O unido de facto tem direito à Pensão de Sobrevivência e ao Subsídio por Morte, desde que a união estivesse comprovada há, pelo menos, dois anos antes do óbito.

A Solução: O Testamento

Se o casal em união de facto deseja garantir que o seu companheiro ou companheira herda parte do património, a única solução é através da feitura de um testamento.

O testamento é o único instrumento legal que permite ao unido de facto dispor da sua quota disponível a favor do companheiro. A quota disponível é a parte da herança que não está reservada aos herdeiros legitimários (filhos e pais).

  • Se houver filhos: O testador só pode dispor de metade (1/2) da sua herança para o companheiro. A outra metade é legalmente dos filhos.
  • Se não houver filhos ou pais: O testador pode dispor de toda a sua herança a favor do companheiro.

Fazer um testamento, neste contexto, não é apenas um papel formal; é o documento de proteção que transforma o amor de facto numa segurança patrimonial. É a garantia de que o luto não será agravado por uma disputa de bens com familiares que, muitas vezes, nem faziam parte da vida a dois.

Portanto, para quem vive em união de facto, não basta partilhar a vida. É fundamental partilhar a responsabilidade e a previdência. O testamento é a assinatura que a lei exige para reconhecer o companheiro como herdeiro.

Se vive em união de facto e não tem este tema resolvido, não adie a conversa. A segurança do seu companheiro ou companheira depende apenas da sua vontade expressa.

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