No verão de 1945, a humanidade atingiu aquele que será porventura um dos seus pontos mais sombrios da História. Hiroshima, uma cidade como tantas outras, foi reduzida a cinzas num ápice, com a explosão de uma bomba atómica lançada pelos Estados Unidos. Para aqueles que não têm o acontecimento tão presente, cerca de 140 mil pessoas morreram. O mundo nunca mais foi o mesmo, ou pelo menos, assim pensávamos.
Passaram-se 80 anos. Mas aquilo que deveria ser um ponto final na utilização de armas nucleares parece ser apenas uma vírgula na História da Humanidade. A ameaça atómica volta a estar no centro da geopolítica internacional, não pela força dos factos, mas pela irresponsabilidade dos discursos. Nesse paradigma, poucos representam tão bem esse perigo como Donald Trump.
Numa altura em que se esperaria prudência, capacidade de mediação e de apaziguamento pela principal potência militar mundial, ecoa a leviandade. Recentemente, Trump sugeriu estar pronto para um eventual conflito nuclear com os russos, e tudo isto com uma ligeireza que me parece absolutamente assustadora. O presidente dos EUA falou como se estivesse num qualquer jogo de tabuleiro, como se lançar uma bomba nuclear não fosse mais do que rolar um dado, ou definir uma estratégia entre amigos. Não é, nem nunca será.
Este tipo de discurso não é apenas perigoso. É muito preocupante e revelador de quem conduz os destinos da nação mais imponente no cenário geopolítico mundial. Apaga a memória de Hiroshima, ou pelo menos tenta, de uma forma deliberada. Ignora vidas destroçadas, corpos desfeitos e sobreviventes marcados para sempre. Insinua que o uso de armas pode voltar a ser uma opção. Na política e na vida, não pode mesmo valer tudo.
E o que é pior do que este pensamento de Trump? O facto de não estar sozinho. O mundo assiste, quase que anestesiado, à erosão do multilateralismo, ao colapso de tratados e de instituições. Cada vez mais se acredita na coerção como mecanismo de substituição da diplomacia. Rússia, China, Coreia do Norte, EUA, todos eles parecem querer recordar ao mundo que ainda hoje têm o “botão” à distância de um dedo. Um “botão” que pode mudar vidas. É uma espécie de dança macabra, feita de ameaças constantes e de testes militares para mostrar as capacidades de cada um deles. E tudo isto num planeta em ebulição. Num planeta onde existem mais autocracias do que democracias, e onde as democracias cada vez são mais frágeis. Um mundo onde os líderes usam cada vez mais o medo como principal meio para atingir os seus objetivos, bem ao jeito dos ideais defendidos por Maquiavel.
Hiroshima devia ser um ponto sem retorno. Mas para isso é preciso ter memória e responsabilidade. Memória para não esquecermos o horror e responsabilidade para que os líderes políticos compreendam o peso das suas palavras e das suas ações. Trump, infelizmente, parece representar o contrário… um presente sem memória e um poder sem responsabilidade.
A pergunta que devemos fazer, passados exatamente 80 anos, não é apenas se nos lembramos de Hiroshima e do sucedido, mas sim o que é que aprendemos com aquela catástrofe singular na História da Humanidade? Porque se o futuro do mundo continuar a depender do ego de alguns, a resposta pode ser tão ou mais devastadora que a própria bomba atómica.