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O desporto é algo essencial à vida. Trata-se de uma esfera da vida que promove a saúde física e mental. Nos Açores, bem como no restante território nacional, o desporto é um dos motores mais importantes no crescimento pessoal e social dos jovens, no entanto, quando a estrutura desportiva trava o talento, o coletivo acaba por contribuir para o silenciamentoe impede o crescimento individual.

Todos os anos, dezenas de crianças e jovens iniciam o seu percurso desportivo com entusiasmo. Sonham. Dedicam-se. Evoluem. Mas, muitos esbarram num obstáculo silencioso: decisões técnicas e estruturais que não acompanham a maturação individual do atleta. Recorrendo à argumentação da “idade”, da “estrutura” ou da “gestão do grupo”, talentos são travados. Vontades são ignoradas. Ambições, silenciadas.

E se tivessem travado o Cristiano Ronaldo?

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Recuemos aos anos 90, na Madeira. Um miúdo franzino domina os treinos do Nacional. Supunha-se que, por ter nascido em 1985, deveria ficar no seu escalão. Mas os seus treinadores tiveram uma visão futura, proporcionando-lhe espaço necessário. O Sporting Clube de Portugal fez o mesmo. Ronaldo jogou, treinou, caiu e levantou-se com jogadores mais velhos. Cresceu mais depressa porque o permitiram tentar. Se o tivessem “protegido” da dificuldade, talvez hoje não fosse o maior marcador da história da Seleção Nacional.

Há jovens atletas que mostram que com treino, atitude e maturidade, estão aptos a subir um degrau ou dois, ou três.Não por capricho, mas porque o seu crescimento assim o exige. No entanto, o que muitas vezes encontram é resistência: “A idade ainda não é a certa.” “O coletivo precisa de ti aqui.” “Vai fazer-te bem ficar mais um ano no escalão.” Mas será que o coletivo sobrevive a talentos frustrados? Será que uma equipa é mais forte se ignorar quem pede (e merece) um novo desafio?

Formar não é manter crianças num molde. É ter coragem de ajustar o percurso ao ritmo de cada uma. A idade cronológica pode servir para organizar turmas e escalões, mas não pode ser um muro que separa o atleta do seu potencial. O talento não cresce em cativeiro. E não é justo que uma criança que demonstra vontade, compromisso e preparação fique presa a um escalão por motivos logísticos, políticos ou, pior ainda, por receio de abrir precedentes.

Mais revelador ainda é o seguinte: um clube com tradição de vitórias, rigor e exigência aceita acolher o atleta num escalão superior. Reconhece o talento, o trabalho e a maturidade. Percebe que não se trata de um “salto irresponsável”, mas sim de um plano de crescimento. A pergunta impõe-se: O problema está no atleta? Ou na visão curta de quem prefere o sistema ao desenvolvimento?

Formar é orientar, dar exigência, mas também permitir. É confiar que cair faz parte do processo. É criar espaço para tentar — e não impedir por princípio. E, acima de tudo, é perceber que treinar e competir num escalão acima não é privilégio, É uma estratégia de crescimento, quando o atleta demonstra estar preparado.

As equipas mais fortes não são as que ganham à custa de um só. São as que puxam uns pelos outros, respeitam os ritmos e celebram quem avança. Quando um clube recusa essa visão, corre o risco de tornar-se apenas uma máquina de resultados — e não uma verdadeira escola de vida.

Se o discurso formativo é apenas uma fachada para segurar atletas em função de resultados ou conveniências técnicas, então não estamos a formar — estamos a gerir recursos. Formar é educar com tempo, com visão, com humanidade. É respeitar o talento, promover a coragem, dar liberdade de escolha. É ver em cada jovem um projeto de futuro e não uma peça que encaixa numa tabela de campeonatos.

Um clube formador é aquele que valoriza a evolução do atleta em detrimentodos troféus do armário. Que tem coragem para deixar crescer, mesmo quando isso implica mudar planos. Que ouve. Que dialoga. Que aposta.

Três questões para refletir: 1) Se este jovem estivesse num “grande”, estaria parado ou já teria um plano adaptado? 2) Que mensagem transmitimos ao grupo: esforço compensa ou esbarra em regras fixas? 3) Daqui a 5 anos, o que importará mais: um campeonato infantil… ou um jovem realizado, a seguir o seu caminho com paixão?

Se tivessem travado o Cristiano Ronaldo, talvez o mundo nunca o tivesse conhecido. Quantos jovens promissores estamos dispostos a sacrificar nos Açores — em nome de estruturas que se esqueceram de ouvir quem mais importa: os próprios jovens. Formar é mais difícil do que ganhar. Mas é, sem dúvida, muito mais valioso.

Importa perguntar: estamos verdadeiramente a formar… ou apenas a reter?

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