O mundo está à beira do precipício. Não sou a primeira pessoa a alertar para esta realidade, nem sequer é a primeira vez que o faço. E, no entanto, ele move-se. O nosso planeta aceitou com sensação de impunidade a venda da alma aos diabos que trabalham nos bastidores para o destruir.
Enfim. É Verão. Por esta altura, em tempos que já lá vão, estaríamos a assistir às eternas reportagens na praia, onde banhistas seminus, com maturadas pelugens grisalhas, dariam a sua opinião sobre o nível relativamente normal de calor que se fazia sentir por aí. Alguém compraria uma bola de Berlim e um Compal de maçã, e a repórter questionaria a qualidade do material, sem referir a inflação galopante que estrangula a classe média a olhos vistos. Haveria tempo de antena para uma reportagem de seis horas e meia, centrada no trabalho do centro de estágio do clube de futebol da moda, e sem dramatizar eleições internas ou novelizar um normal processo de venda de um jogador. Nada de grave se passaria no resto do mundo, porque Agosto era tempo de fingir que voltamos a estar orgulhosamente sós, na nossa toalha individual, debaixo do chapéu de sol da família, junto ao mar e a uma cabana.
Só que agora o Verão é outro. Na beira do tal precipício. Com devastadora sucessão de criminosas tentativas de destruição da nossa vida como a conhecemos. Mentiras tornadas realidade pelo discurso demagogo, apoiadas em vídeos de produção rarefeita, para divulgar em dentadas de poucos segundos, nas redes sociais, e doutrinar quem tem pouco tempo para pensar. É época de apelo a consensos com forças neonazis e com as suas aliadas periféricas, preferindo dar a mão ao ódio do que aprender a admitir os nossos defeitos.
Poderia voltar a Montenegro e escrever mais duas páginas sobre a decadência moral do seu jovem governo minoritário, que para não ser esfaqueado por bandos de cheganos à solta, preferiu continuar o processo de doutrinação do país, com a remodelação da Cidadania. Não são contra a disciplina, entenda-se. São a favor de controlar o seu programa pedagógico, transformando o que poderia ser uma oportunidade de crescimento individual numa ida à Universal Igreja do Reino do Capital, onde é mais importante aceitar que tens pouco dinheiro do que aprender a questionar o sistema que pouco dinheiro te deixa ter.
Também poderia falar de Sérgio Sousa Pinto e Pedro Passos Coelho, colocados ao serviço de uma associação que não é mais do que um lobby à portuguesa, para preparem o plano de reforma da Constituição de Portugal que a direita almeja aplicar ainda antes do final desta década. Tudo isto está vestido com outras roupagens, a começar pela gravata socialista que Sousa Pinto insiste em usar, mesmo que já não o seja, ou pelo casaco social-democrata que Coelho veste a contragosto, para fingir que ainda tem algum tom de laranja na pele, quando toda a gente sabe que ele é do partido do Ventura.
O documento que vão produzir será uma espécie de Projeto 2025 para Portugal, ou seja, um manual de práticas a executar para destruir todo o serviço público que nos resta e escancarar as portas do país ao livre-arbítrio do poder económico privado, que virá para sacrificar os trabalhadores no altar do lucro. Ver ali um falso socialista a anunciar a sua presença como força de consenso ao centro recorda-nos as palavras bíblicas sobre lobos transvestidos de cordeiros, e a importância de nos livrarmos deles a tempo e horas. Na mesma linha ideológica estará Aguiar Branco e a sua seletiva incapacidade de compreender o dicionário, o significado de insulto e o ato de segurar a máscara. Fanfarrão, como todos os que o acompanham na senda do PSD que já está coligado com o Chega, decidiu escolher o Verão para revelar a sua tendência autoritária, que sempre soubemos estar presente, mas que escolheu utilizar para penalizar o inimigo. Ainda se recordam do acordo que o levou ao cargo na primeira vez?
Também nesta época, aqui pelas nossas ilhas, é tempo de ver a Senhora Secretária da Educação a anunciar os grandes resultados escolares de estudantes. Primeiro, começou com uma publicação sobre o sucesso a nível nacional, depois lá teve de se desculpar e colocar um vídeo remastigado, para assumir que afinal o sucesso era muito relativo, e que oito disciplinas é um número inferior a dezasseis. Talvez alguém lhe tenha dado uma lição de matemática nos entretantos. Em Angra, decorreram dois festivais culturais de grande relevo, sem a presença de representação dos gabinetes da Cultura, que por acaso são os mesmos da Educação, ainda que se possa confundir a sua existência com o funcionamento do cemitério municipal.
Mais uma vez, a dívida da Região subiu exponencialmente. Mais uma vez, atrasos sistemáticos no pagamento a fornecedores com a velha retórica de culpar um partido que deixou de governar em 2020. Mais uma vez, agentes culturais desmentem as ordens de pagamento, por as mesmas não terem sido executadas.
Pelo arquipélago a fora, continuam as discussões sobre a Autonomia, o aprofundar da mesma e a navegação nos atribulados mares da geopolítica. Lá do outro lado do mar, está um Trump envelhecido, com maquilhagem suficiente para lhe esconder as feridas da idade, mas incapaz de se escudar dos escândalos sexuais que poderão, finalmente, apanhar o predador. Membros do culto ao líder e republicanos com um resto de fibra moral mostram-se cada vez mais arrependidos. Já vão tarde, claro está. Ainda que talvez pudessem servir de aviso a pessoas como Montenegro e Aguiar Branco, se ainda lhes restasse algum resquício de bom senso que não estivesse toldado pela vontade de sobreviver.
Os americanos arrependeram-se de ter feito um pacto com Trump, tardiamente. Em Portugal, o PSD está a fechar um pacto semelhante, com Ventura. Já não há Silly Season. Por cá, estamos na época dos acordos faustianos. Chegará o dia da Guilty Season. Só que de arrependimento, está o Inferno cheio e nem a internacionalização do pastel de nata nos salvará.