PUB

A demolição das cerca de 60 habitações ilegais no Bairro do Talude Militar, em Loures, ordenada pela Câmara Municipal, desencadeou um debate público intenso, onde se cruzam questões de âmbito legal, social e ético. Este acontecimento tem, na minha perspetiva, de ser analisado com alguma cautela e objetividade, sem perder de vista um princípio basilar dos sistemas democráticos e dos próprios valores pelos quais nos devemos reger, o respeito pela dignidade humana é uma peça absolutamente central em toda esta situação.

A intervenção, que afetou de forma direta mais de 160 pessoas, entre as quais dezenas de menores e idosos, suscitou uma forte contestação por parte dos moradores e por algumas associações, com destaque para a associação Vida Justa. Muitas famílias alegam que não lhes terá sido oferecida uma alternativa viável de alojamento e que acabaram por dormir ao relento ou em tendas improvisadas nas proximidades do local onde antes se encontravam as suas casas.

A autarquia, liderada por Ricardo Leão (PS), sustentou que agiu dentro da legalidade e sempre com responsabilidade pública. Num vídeo publicado nas redes sociais, o presidente da Câmara defendeu que as construções ilegais são inaceitáveis, por colocarem em causa a “segurança, a salubridade e a dignidade das pessoas”. Acrescentou que procurou prestar apoio social àqueles que o solicitaram e acusou os meios de comunicação social de contribuírem para um “linchamento mediático”.

PUB

De acordo com dados divulgados pela própria autarquia, 36 agregados familiares contactaram os serviços sociais. Desses, 14 aceitaram apoio habitacional temporário, 5 autonomizaram-se com ajudas, 10 recebem apoio alimentar e 3 permanecem alojados com apoio da câmara. Por outro lado, dezenas de famílias optaram por recusar as soluções propostas ou não encontraram as respostas adequadas, invocando a distância dos alojamentos, os custos de transporte ou a incompatibilidade entre a situação familiar e laboral.

Esta é, sem dúvida uma situação muito complexa, na qual não existem, naturalmente, respostas fáceis. Qualquer decisão tomada pelo executivo municipal nestas circunstâncias envolve riscos e custos sociais. Se não agir, a autarquia pode ver o fenómeno da construção ilegal agravar-se. Se agir, arrisca ser acusado de insensibilidade ou de desumanidade. Pedem-se respostas firmes, ponderadas e equilibradas. A legalidade não pode ser ignorada mas a dignidade humana também não pode ser desconsiderada. Por fim, parece-me crucial referir que é importante evitar julgamentos precipitados. É um imperativo de justiça e de responsabilidade.

PUB