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Num mundo cada vez mais independente, e de certo modo egoísta, a decisão da administração Trump de pôr fim à Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) representa uma espécie de terramoto silencioso, que já se vai fazendo sentir em algumas das latitudes mais frágeis do planeta.

A USAID, criada em 1961 por JFK, foi, durante décadas, a espinha dorsal da ajuda externa norte-americana, com programas de emergência e auxílio em muitos países. Segundo Trump, a sua extinção é fundamental para recentrar os recursos dos contribuintes norte-americanos no seu país. A realidade no terreno é dramática: clínicas a fechar, alimentos perdidos e milhões de pessoas abandonadas à sua sorte.

Desde que a administração Trump decretou a suspensão e posterior desmantelamento da USAID, foram vários os relatos de colapsos em sistemas de saúde, em cadeias de fornecimento de alimento e em infraestruturas humanitárias em vários países que dependiam fortemente desse tipo de auxílio. O mais recente caso de destaque é o do Afeganistão, com o país a assumir evidentes dificuldades no acesso aos cuidados de saúde, bem como a questões alimentares, nas quais os cidadãos têm dificuldades notórias e cada vez mais dramáticas.

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No Afeganistão, país onde mais de 23 milhões de pessoas dependem diretamente de ajuda humanitária, o impacto desta medida tem assolado os cidadãos. Já encerraram centenas de instalações de saúde, a OMS viu-se forçada a abandonar hospitais e clínicas em zonas rurais e, portanto, algo remotas.

As consequências são manifestamente nefastas. Muitas grávidas e crianças subnutridas, aumento de casos de doenças como o sarampo, a malária ou a poliomielite, que estavam atá agora controladas mas que agora voltam a alastrar-se.No que concerne à questão alimentar, é igualmente alarmante. Os stocks foram bloqueados ou destruídos através de incineração ao mesmo tempo que as crianças afegãs, por exemplo, sofrem de fome extrema. O cenário que nos vai chegando através de diversos Órgãos de Comunicação Social demonstram-nos que a situação é desesperante. Importa referir que estes impactos vão muito para além do Afeganistão.

O corte abrupto da administração Trump neste programa poderá resultar num número elevadíssimo de mortes que seriam totalmente evitáveis.Em países da África Subsariana, por exemplo, onde este programa salvou milhões de vidas ao longo das últimas décadas, teme-se, neste momento, um retrocesso incontrolável e sem precedentes.

A retirada da USAID não é, contudo, apenas um drama de carácter humanitário. É também uma manobra política de alto risco, na medida em que o espaço vazio deixado pelos EUA poderá ser ocupado por outras potências, como é o caso da China ou da Rússia que têm reforçado a sua presença diplomática em países cuja influência norte-americana era notória. Há algumas crónicas referi, como exemplo, a questão do Canal do Panamá, onde esta mesma situação se verificou.

As consequências diplomáticas poderão ser semelhantes. Pequim já expandiu a sua rede de cooperação, enquanto Moscovo procura também estabelecer alianças estratégicas. Ao abdicarem de forma voluntária de um dos seus instrumentos mais eficazes de soft power, fragilizam a sua posição global.

Importa referir que as consequências desta decisão não se farão sentir apenas nos países e continentes referidos. A fragilização dos cuidados de saúde, o aumento da pobreza extrema e até o colapso de redes humanitárias, poderão, por exemplo, estar na base da origem de novos fluxos migratórios. Num mundo que está efetivamente interligado, a repercussão deste tipo de decisão não afeta apenas um pequeno conjunto de países, mas impacta sim o cenário geopolítico internacional.

Numa altura onde a segurança mundial é amplamente discutida, a decisão de extinção da USAID é um exemplo gritante de como uma questão de âmbito ideológico pode afetar-nos a todos.

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