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O Tribunal Constitucional (TC) declarou a inconstitucionalidade de várias normas do regime do domínio público hídrico dos Açores e de decretos que desafetam terrenos em Santa Maria, segundo um acórdão publicado hoje em Diário da República.

O pedido de fiscalização da constitucionalidade dos diplomas tinha sido solicitado pelo então primeiro-ministro do PS António Costa, em 2024, no seu último dia em funções no Governo.

No Regime Jurídico do Processo de Delimitação e Desafetação do Domínio Público Hídrico na Região Autónoma dos Açores, o TC declara inconstitucionais as normas que atribuem ao Conselho de Governo dos Açores “a competência para a homologação de propostas de delimitação do domínio público marítimo do Estado no território da Região Autónoma dos Açores” e que tornam essa homologação “vinculativa para todas as autoridades públicas”.

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No mesmo diploma, são consideradas inconstitucionais normas que “possibilitam a desafetação, mediante decreto legislativo regional, de qualquer parcela do leito ou da margem do domínio público marítimo”.

O Tribunal Constitucional considera, por isso, também inconstitucionais normas de dois decretos que definiam a desafetação do domínio público marítimo, por motivos de interesse público, de parcelas de terreno na ilha de Santa Maria, precisamente por desafetarem parcelas “pertencentes ao domínio público marítimo”.

Os juízes do Tribunal Constitucional decidiram declarar “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral”, das normas referidas por entenderem que excedem o âmbito regional institucional da competência legislativa regional, em violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 4 e 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.

O TC considera que o decreto legislativo regional n.º 8/2020/A pretende “entregar à administração regional a competência para a prática de atos administrativos que têm por objeto bens do domínio público do Estado, ficando este obrigado ao reconhecimento da respetiva vinculatividade”, quando “a delimitação do domínio público estadual implica juízos de interesse público que só o próprio Estado está em condições de realizar”.

“O que as normas em apreço pretendem é uma substituição do Estado pela região – rectius, da administração estadual pela administração regional – que a Constituição não cauciona”, lê-se no acórdão.

Segundo o Tribunal Constitucional, que cita outros acórdãos anteriores, a jurisprudência constitucional tem vindo a sublinhar, com forte apoio doutrinário, que “o domínio público marítimo encontra justificação na sua ligação incindível à soberania nacional”, ao que se associa, instrumentalmente, “uma vertente de defesa nacional”.

Defende ainda que nem a Constituição, nem o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores estendem à região “quaisquer atribuições e competências nos âmbitos materialmente relevantes que habilitem órgãos regionais a realizar tais juízos de interesse público”.

O acórdão refere que “o domínio público marítimo abrange todo o mar territorial e toda a plataforma continental, mesmo que estejam integrados em áreas adjacentes das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira”, acrescentando que “fazer parte do território regional não implica fazer parte do domínio público regional”.

Também em relação às normas que possibilitam a desafetação de parcelas do domínio público marítimo, o Tribunal Constitucional considera que se pretende habilitar o poder legislativo regional a tomar decisões “cuja titularidade pertence indiscutivelmente ao Estado”.

“Se a delimitação do domínio público marítimo envolve, já de si, juízos de interesse público cuja competência não pode ser subtraída ao Governo da República (ou à administração dele dependente), a desafetação implica-o com maior intensidade ainda”, frisa.

O TC declara igualmente inconstitucionais dois decretos legislativos regionais que procediam à desafetação de terrenos do domínio público marítimo na ilha de Santa Maria, que passariam a integrar o património da Região Autónoma dos Açores, sendo num dos casos cedidos ao Clube Naval de Santa Maria.

“A desafetação em concreto de parcelas determinadas do domínio público marítimo envolve juízos de interesse público que, em concreto, só podem ser realizados pelo Governo da República (ou pela administração dele dependente)”, justifica.

Em relação ao decreto referente ao terreno onde se encontram implantadas as ruínas do Forte de São João Baptista, o TC considera inconsequentes os argumentos de que os bens deveriam ser qualificados como património cultural, com o propósito de os deslocar da categoria do domínio público marítimo para qualquer outra.

“A classificação desses bens como pertencentes ao domínio público marítimo foi inequívoca para o legislador regional”, aponta, acrescentando que “não compete ao Tribunal Constitucional realizar qualquer requalificação dessa ordem”.

O TC reforça ainda que “a região poderia requerer a respetiva desafetação ou reafetação ao Governo da República, e não substituindo-se a este através da utilização do seu poder legislativo”.

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