A quinta edição do festival “Rua Direita”, que decorre em julho, em Angra do Heroísmo, nos Açores, tem como tema “A Encruzilhada dos Ventos” e aborda as migrações em diferentes espetáculos, incluindo um criado por imigrantes.
“Focamo-nos nas linhas migratórias que nos são tão caras nos Açores, uma terra de partidas e chegadas, e que de alguma forma acabou por nos moldar ao nível da nossa identidade, da nossa genética, da nossa cultura”, afirmou, em declarações aos jornalistas, Ana Brum, diretora artística da companhia Cães do Mar, que organiza o evento, à margem da apresentação do cartaz.
Desde 2021 que a Cães do Mar leva pequenos espetáculos a lojas, cafés e ruas na cidade de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira.
Este ano, o festival “Rua Direita” decorre de 10 a 12 de julho e de 17 a 19 de julho, com oito espetáculos de dança, teatro, música e poesia e uma criação de arte urbana em montras de lojas.
Os espetáculos de curta duração, de acesso gratuito, repetem-se ao longo do dia e têm em comum o tema das migrações, para “relembrar às pessoas a sua verdadeira história”.
“Há um mundo desconhecido da nossa história, da nossa identidade, no qual é preciso ter muito orgulho e saber retirar lições importantes para o futuro. Aprender a criar e a empatizar é absolutamente essencial, usar os sapatos do outro. E nós calçámos sapatos muito diferentes ao longo da nossa história enquanto açorianos. Viajámos muito, partimos, e muitos não regressaram, e é importante que não nos esqueçamos disso nunca, porque podemos voltar a ter de partir”, salientou Ana Brum.
Em 2021, quando o projeto arrancou, chegou a pouco mais de 1.200 pessoas, mas de ano para ano o público tem vindo a aumentar e na última edição assistiram aos espetáculos mais de 2.500 pessoas.
“O ano passado descobrimos um público diferente, que nos procurava e nos perguntava: onde está a acontecer? Onde estão os espetáculos? Pediam-nos o programa e andavam à procura pela cidade. Este ano, temos um mapa já, para tentar ajudar as pessoas a encontrar”, revelou Ana Brum.
Os espetáculos da “Rua Direita” vão à procura do público em sítios onde habitualmente não se realizam, como lojas, edifícios em ruínas, moagens, ruas e varandas. Por vezes há quem seja surpreendido, mas a maioria fica a assistir.
“Esperamos conseguir chegar a cada vez mais pessoas e que as pessoas possam contactar e ter o acesso que, muitas vezes, por desconhecimento, por receio, por vergonha, às vezes até um pouco por preguiça, não têm a determinado tipo de atividades e de fruições culturais”, vincou a diretora artística da Cães do Mar.
Um dos espetáculos é protagonizado e criado por imigrantes de diferentes nacionalidades residentes na ilha Terceira, com direção do coreógrafo romeno Romulus Neagu e dramaturgia do britânico Peter Cann, membro da Cães do Mar.
“É uma performance coreográfica, que inclui elementos de teatro físico, dança, música, textos ditos e criados pelos participantes”, adiantou Romulus Neagu.
O objetivo, não é fazer uma afirmação política, mas “tentar refletir sobre a temática da emigração” e pensar em como ela pode transformar a forma de estar e de pensar de cada pessoa, explicou o coreógrafo, também ele imigrante há vários anos em Portugal.
Os protagonistas, imigrantes na ilha Terceira, têm origem em diferentes países e têm idades e percursos sociais e profissionais diversos.
O espetáculo, que já começou a ser preparado há três semanas, parte de textos e reflexões desses imigrantes.
“Os participantes neste projeto são pessoas que não têm experiência artística, portanto estamos a criar um produto artístico do zero e acho que isso é muito interessante e desafiante”, salientou Romulus Neagu.
Orçado em cerca de 50 mil euros, o festival é financiado pela DGArtes, pela Câmara Municipal de Angra do Heroísmo e pelas direções regionais da Cultura e das Comunidades dos Açores.