Estamos no começo de uma nova era em Portugal, conforme tenho vaticinado nos últimos escritos neste espaço. Para além da mudança de postura do país, voltada na sua quase totalidade para a ideologia de direita extremada ou extrema-direita, vivemos tempos de incerteza quanto à própria natureza da nossa realidade. Dominados por uma constante propaganda, propagada pelos influenciadores do regime, e controlada pelos grandes poderes económicos. Normalizou-se a discussão violenta, com tendência para acabar com alguém definitivamente chateado com outrem. Crescemos em direção às trevas de onde outrora nos levantamos com revolução e humanismo.
Portanto, nada melhor do que começar a preparar a campanha para uma futura liderança presidencial efetuada por um militar. É, pelo menos, bastante coerente com o país que temos. Contrariamente à narrativa que se difundiu pelas redes sociais e pelos programas de comentários pagos para o efeito, o nosso país nunca foi propriamente feliz quando tivemos presidentes militares. Eanes, o que mais memória deixa entre os portugueses, foi responsável por medidas verdadeiramente preocupantes, que só não tiveram continuidade porque a ascensão do seu Partido Renovador acabou devidamente colmatada pelas restantes forças democráticas portuguesas. Sobre Ramalho Eanes e as suas comparações a Gouveia e Melo, haverá tempo para escrever, talvez mais próximo das eleições presidenciais. Este texto é sobre o famoso Almirante, mas é, ainda e apenas, um grito de alerta atempado, e um inicial apelo ao bom senso.
Ora vejamos. A comunicação social em Portugal tudo tem feito para consagrar André Ventura como futuro novo primeiro-ministro. Na ponta dessa lança esteve a CMTV, entretanto ultrapassada pela TVI/CNN, que mantém um registo de observação do querido líder emquase permanência, o que nos leva a pensar que muito em breve irá estrear o programa “Na Casa do Mestre André”, num formato parasitado à já mítica Casa do Toy. A qualidade será, certamente, pior.
É também a TVI/CNN que se encontra a trabalhar afincadamente na campanha de Gouveia e Melo, sem qualquer tentativa de mascarar as suas intenções. Tal como nos Estados Unidos, meses antes do regresso de Trump, também por cá os muito ricos perderam a vergonha. É o que acontece quando lhes damos os nossos votos de forma cega.
A TVI/CNN responde ao grupo Media Capital, onde reina o soberano grande comendador da comunicação social nacional, Mário Ferreira, astronauta de serviço, vinhateiro nos tempos livres e cardeal Richelieu em potência. Trata-se de um dos grandes financiadores da nova realidade política em Portugal, enquanto foi, em simultâneo, irónica e recentemente acusado de fraude. Podem não se lembrar que isso aconteceu, em abril deste ano, porque se estivessem a ver as notícias na TVI ou na CNN, pouco ou nada teriam conseguido saber do assunto. É o modelo da Fox News, perfeitamente replicado num dos mais vistos canais do nosso país.
Mário Ferreira tem aparecido nas principais ações de campanha da caminhada do Almirante. Está lá para lhe entregar flores e bater palmas. Surge por detrás do altivo militar, que só deixou a farda em casa porque os assessores lhe disseram que daria mau aspeto. Imagino que no dia que for eleito, irá vesti-la. E condecorará Mário Ferreira, pelos prestimosos serviços à Nação. Pelo menos, à sua Nação.
Graças à lavagem de imagem que Ferreira tem promovido e ordenado, Gouveia e Melo aparece de forma resplandecente, regressado de um retiro espiritual onde tinha sido atacado por tudo e todos. Para ele, foi pertinente aguardar até ao resultado das eleições. Diz que é de centro, mas posiciona-se em todos os aspetos ao lado de André Ventura. Até mesmo na escolha de padrinhos mediáticos, como o grupo Media Capital.
Para além disso, é também simpatizante de Miguel Milhão, afirmando-se “a favor da vida”, no que concerne às questões da interrupção voluntária da gravidez (IVG), e contra a “eutanásia ou o suicídio assistido ou lá o que queiram chamar.” Não vou perder o meu tempo a tentar explicar a um homem privilegiado, evidentemente de outro tempo e moral, a importância da legalização da IVG, muito menos distinguir o que é eutanásia de suicídio assistido ou de estupidez populista. Gouveia e Melo sabe o que faz quando afirma o que afirma. E aparece ao lado de jovens, muito jovens, que escutam Milhão e os outros influenciadores. O Almirante não é parvo. É, acima de tudo, um perigo verdadeiro, a juntar-se às dezenas de deputados de índole fascizante que foram democraticamente eleitos.
Para terminar toda esta festa inaugural de campanha, o senhor militar escolheu Rui Rio para estar ao seu lado. O político popular, nada social e raramente democrata, foi selecionado pelas suas caraterísticas centristas, de acordo com o aparelho de campanha de Gouveia e Melo. Que qualidades serão essas, ficamos sem saber. Podemos apenas imaginar que, da mesma forma que Mário Ferreira e Milhão estão lá para agradar a cheganos, também Rio surge para fazer as pazes com os laranjas que não querem votar em Marques Mendes. Tudo parece estar bem pensado e orquestrado.
Ainda falta tanto tempo e já restam poucas dúvidas acerca da provável vitória de Gouveia e Melo. A teia foi bem urdida. Não por falta de aviso, claro. Tal como o percurso de Marcelo Rebelo de Sousa foi espelho de um país trágico-cómico, a presidência do Almirante será reflexo de um Portugal à beira do abismo, capaz de tudo para sobreviver, menos de fazer alguma coisa de positivo por quem mais precisa. Pela minha parte, não tenho dúvidas que não votarei nele.