Com a tomada de posse dos 230 deputados eleitos nas legislativas do passado dia 18 de maio, a nova legislatura arrancou, de forma oficial, esta terça-feira. Apesar da renovação de nomes e da entrada de novos partidos políticos na atual conjuntura parlamentar, a composição da Assembleia da República continua longe de refletir a diversidade da população portuguesa. As disparidades são visíveis no género, na idade, nas qualificações académicas e nas profissões dos deputados, levantando algumas questões que me parecem ser pertinentes sobre o grau de representatividade efetiva do Parlamento.
As mulheres continuam em clara minoria. Apenas cerca de um terço dos deputados em exercício de funções são do sexo feminino. A sub-representação feminina, embora tenha vindo a diminuir ao longo das últimas décadas, permanece estrutural e reflete, na minha ótica, não só os mecanismos partidários de seleção de candidatos como também as barreiras sociais e culturais que teimam em permanecer e que vão limitando a participação política das mulheres. Deste modo, esta desigualdade pode comprometer a incorporação plena de perspetivas femininas nas mais variadas áreas de intervenção, desde a saúde, à educação, parentalidade, igualdade de oportunidades, entre outras.
O novo parlamento apresenta um perfil marcadamente cristalizado na faixa etária compreendida entre os 40 e os 59 anos, sendo que os indivíduos pertencentes à designada faixa etária representam quase 70% dos assentos parlamentares. Por outro lado, jovens com menos de 30 anos ocupam apenas nove lugares. Interessa-me particularmente reter este dado. Ora, com efeito, sete dos nove lugares ocupados por jovens com idade inferior a 30 anos pertencem ao partido Chega. Futuramente, irei abordar esta questão de forma mais aprofundada. Já no que diz respeito aos deputados com 60 ou mais anos, verifica-se que são também manifestamente poucos. A composição atual da Assembleia da República negligencia importantes segmentos etários da população, cujos desafios e prioridades podem não encontrar eco na produção legislativa. A ausência de jovens, por exemplo, pode contribuir para a persistência de políticas públicas desajustadas à precariedade laboral, ao acesso à habitação e à crise climática. A baixa presença de seniores também reduz a atenção dedicada às reformas, aos cuidados de saúde ou ao envelhecimento digno, a título meramente exemplificativo.
No que concerne à formação académica, cerca de nove em cada dez deputados tem formação superior, sendo a licenciatura o grau académico mais comum. Mestrados e doutoramentos também estão fortemente representados. Este perfil académico contrasta com a realidade de muitos cidadãos e pode contribuir para um certo afastamento entre eleitos e eleitores. A predominância de percursos universitários pode traduzir-se numa linguagem de cariz técnico e numa formulação de políticas alheias às realidades vividas por quem tem menos qualificações. Este fosso entre eleitos e eleitorado alimenta a perceção de elitismo nas instituições democráticas nacionais.
A composição profissional dos deputados reforça esta tendência. A maioria vem de setores como a advocacia, a economia, gestão, engenharia e outras áreas do ensino superior. Os trabalhadores ligados a serviços, segurança, comércio ou atividades manuais praticamente não estão representados. Esta concentração contribui para um Parlamento que legisla a partir de uma visão de classe média-alta, tecnocrática e menos sensível às preocupações da base da pirâmide social.
A distância entre o perfil dos representantes e o da sociedade coloca um desafio à legitimidade do sistema democrático. Quando os cidadãos não se reconhecem naqueles que os representam, tende a crescer o desinteresse, o afastamento das urnas e a predisposição para discursos populistas que prometem “dar voz ao povo”. Esta desconexão pode ainda reduzir a eficácia da governação, ao tornar as políticas públicas menos aderentes à realidade vigente.
Em suma, o Parlamento que agora toma posse é constitucionalmente representativo, mas socialmente assimétrico. O desequilíbrio entre quem legisla e quem é legislado não é apenas uma questão de estatísticas: é uma fragilidade estrutural que exige reflexão profunda. Partidos, instituições e sociedade civil terão de repensar mecanismos de inclusão, a começar pela forma como se constrói a representatividade. Porque a democracia não se faz só no voto, mas sim na semelhança entre quem fala e quem ouve.