Na passada segunda-feira, 28 de abril, o país mergulhou numa escuridão inesperada. Um apagão elétrico total – raro nos dias que correm – deixou milhões de pessoas sem eletricidade, sem comunicações, sem explicações claras. A tecnologia, neste caso, tendo por base a eletricidade, revelou a sua fragilidade, sim, mas a estrutura que mais me preocupou foi a humana.
O que vimos nas longas horas daquele dia foi uma sociedade desorientada. Serviços de emergência a funcionar com limitações – o que é perfeitamente natural – comunicações móveis colapsadas, trânsito caótico mas, acima de tudo, uma preocupante desorientação da sociedade.
Nem tudo foi mau, de facto, houve quem se tenha lembrado de verificar se os vizinhos estavam bem, se precisavam de alguma coisa, comida, transporte, outro qualquer auxílio, mas também houve muitos que optaram por se fechar em casa, à espera de que a luz voltasse, sem qualquer contacto com o mundo à sua volta. Nem um gesto, nem um olhar, nem uma palavra trocada.
A escuridão não foi apenas uma falha estrutural mas simbólica. E, curiosamente, tudo isto acontece, talvez por ironia ou crueldade, numa altura em que acabámos de celebrar abril, 51 anos do fim da ditadura, continuamos a celebrar e enaltecer os valores que a revolução consagrou: liberdade, igualdade, justiça, mas esquecemo-nos, tantas vezes, de um que foi essencial em 1974, a fraternidade. A fraternidade foi o cimento invisível que uniu soldados e civis, que permitiu uma revolução sem sangue, onde a empatia foi tão revolucionária como os cravos nas espingardas. Era a convicção de que a liberdade de um só não era suficiente, ela só fazia sentido se fosse partilhada, cuidada, vivida de forma coletiva.
No entanto, o apagão mostrou-nos um retrato diferente do nosso país. Um país onde reinou o individualismo, explanado de forma evidente na corrida às bombas de gasolina, aos supermercados, na busca de bens não essenciais, sem nunca se pensar no próximo. Até que ponto estamos, de facto, a honrar abril? Será que a democracia se esgota no voto? Ou será que ela exige um compromisso diário com a sociedade em que nos inserimos? Num momento em que tanto se fala da crise da democracia, da erosão das instituições e da desilusão com a política, talvez fosse importante olhar para o apagão como um sintoma. Não de um colapso energético apenas, mas de um colapso civilizacional. Talvez o maior legado de abril que estamos a perder seja o sentimento de pertença a algo maior do que nós próprios. A liberdade constrói-se em comunidade e devemos ter sempre presente que os direitos só existem se forem acompanhados de deveres para com os que nos rodeiam.
Relativamente à classe política, falharam coisas essenciais como a comunicação ou estruturas fundamentais como hospitais ou aeroportos. Quanto aos populistas do costume, é bom ter em consideração que a luz pode falhar, mas eles nunca falham na forma e no sentido de oportunidade de papaguear a sua mensagem. Tenhamos isso em conta no dia 18 de maio.
Uma sociedade que falha em pequenos e breves momentos, não está preparada para desafios maiores. Se abril é, como se diz popularmente, uma promessa por cumprir, então talvez esteja na hora de recolocar a fraternidade como um dos pilares do projeto democrático. Só assim abril faz sentido, mesmo – e sobretudo – no escuro.