Ainda com a memória do 25 de abril passado entre nós, a semana que se segue deverá ser sempre motivo para relembrar a valorização das nossas e dos nossos trabalhadores, e a sua luta por mais e melhores direitos, numa sociedade que se quer cada vez mais voltada para as elites. No entanto, esta é também a semana em que devemos refletir sobre o legado de um ser humano bom que partiu recentemente.

A 21 de abril, pelo alvor da madrugada, recebemos a notícia de que o Papa tinha falecido. Jorge, de seu nome profano, mais tarde ungido como Francisco, pelos poderes investidos no Vaticano, foi uma personalidade de elevado destaque na história recente da Humanidade. Mesmo sendo líder de uma das nações com mais vícios e complicações, e com um vasto historial de opressão e corrupção, Francisco destacou-se, não só pela sua atitude reformista, mas também pela sinceridade e pelo carinho na forma como se comportou ao longo da sua vida. Ainda que sentado no centro de um gigantesco palácio, construído com dinheiro discutivelmente adquirido, aquele Papa nunca abandonou uma matriz humanista na forma como agiu e como dialogou com os milhões de fiéis que o seguiram, pelo mundo fora.

Já muito foi escrito acerca da vida e obra de Francisco. Não tenho pretensão de aqui trazer nada de novo, sobre o assunto, e já fiz a minha reflexão pessoal, aquando da sua morte, e da forma como a mesma me tocou, particularmente. Mas quando me sentei em frente a um teclado para escrever a crónica desta semana, referente ao Dia do Trabalhador, foi de Francisco que me lembrei, primeiramente.

Ao longo do seu tempo como Papa, foram imensos os discursos e pensamentos que deixou ao mundo, sobre quase todas as grandes questões fraturantes do nosso tempo. Entre o grande manancial de conhecimento que partilhou connosco, e em virtude do 1 de maio, não posso deixar de destacar um pouco do que Francisco nos ofereceu. Desde logo, o falecido pontífice era um fervoroso defensor do papel dos sindicatos na vida profissional. Para ele, aquelas eram organizações de importância fundamental na defesa da dignidade laboral, devendo ser homenageadas pelo relevo que assumiram, historicamente, e apoiadas, para continuarem a elevar adequadamente o lugar do trabalhador comum ao destaque que ele merece.

Francisco nunca fugiu dos fantasmas da Igreja, mas soube reorganizá-los, valorizando as colunas da liberdade e da igualdade social, em detrimento da estratigrafia de classes, que outros Papas defenderam de forma desenfreada. Para aquele homem bom, o sol quando nasce deve nascer para “todos, todos, todos”. Já se tornou um cliché citar essa sua expressão, no entanto não nos devemos esquecer da ideologia subjacente a tal afirmação. Muito mais do que algum presidente poderá almejar ser, aquele foi verdadeiramente um líder de afetos, que deixa uma profunda saudade na sua partida, e um manifesto de trabalho para um dia o Vaticano voltar a ser verdadeiramente cristão.

Certamente, por isso mesmo, as forças do ódio e da extrema-direita ficaram profundamente magoadas com o legado de Francisco. O pequeno líder português desse movimento parasitário, ávido de sensacionalismo, em plena campanha eleitoral, veio lamentar o falecimento daquele homem, enquanto continua na nossa memória a frase dele, sobre o péssimo serviço que diz que o Papa terá prestado ao cristianismo. Maria Vieira, deputada municipal em Cascais, ao serviço do partido de Ventura, esclareceu a posição, e a dos correligionários, insultando vergonhosamente o trabalho de Francisco, com palavras que nem me atrevo a reproduzir aqui, mas que espelham a verdadeira postura daquela gente. Se a hipocrisia pudesse concorrer à Assembleia, sabemos porque partido o faria.

Hoje, mais do que nunca, urge homenagear o Trabalhador e a Liberdade, mas também lutar para manter a justiça social já conquistada, e para conquistar mais igualdade, em nome da verdade que querem destruir. Em tempos de crescente escuridão, o fumo branco que esperamos receber não se limitará à escolha de uma nova pessoa para ocupar o lugar no Vaticano. Desejamos que seja o legado de Francisco a perpetuar a ação da sua Igreja, contra as tiranias e as pequenas vaidades, que almejam destruir as pedras do templo de São Pedro. Com o começo da caminhada em nome do Espírito Santo, que agora iniciamos, começa também uma nova madrugada de ação. Feito o merecido luto e honrando a humildade de um lutador, devemos permanecer ativamente no combate às oligarquias e aos poderes instituídos que financiam a desconstrução da sociedade, assentando a nossa balança pela bitola do Trabalho digno e da qualidade de vida, em todas as suas vertentes.

A 1 de maio de 2025, o hino do nosso país não deve apelar a que o Luís possa trabalhar. Não podemos admitir que se façam campanhas eleitorais apenas com base em músicas tornadas virais pela comunicação social. Não podemos deixar passar incólume uma sucessão de atos musculados para suprimir graves acusações levantadas e ainda não esclarecidas.

Quem necessita de trabalhar são todas as pessoas que fazem do nosso país e do nosso mundo um lugar melhor. Com os valores de Francisco, com os ideais de Abril e com a certeza de Maio. Construindo um futuro que seja, verdadeiramente, para todas e todos. Em nome de Franciscus e da sua fé.

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