Alexandra Manes

Comecemos por recuar ao final do passado mês de março para enquadrar a premissa que nos leva hoje a terreiro. Naquela última semana do mês, verificaram-se alguns episódios de interesse para o futuro do nosso arquipélago que acabaram abafados pelo barulho ensurdecedor dos debates políticos e dos populismos baratos que andam a fazer escola junto das pessoas que dizem representar as nossas gentes.

Há umas semanas, Alonso Miguel, Secretário Regional com a pasta do Ambiente e do Glifosato, deslocou-se à minha ilha materna para se sentar com o povo das Flores e falar sobre mais um dos muitos problemas que ali se fazem sentir em anos recentes. A ameaça reside possível corte do acesso a um dos sítios de maior relevância ambiental no nosso arquipélago, que é como quem diz no país e no mundo: o poço da Ribeira do Ferreiro, com consequências nefastas para o equilíbrio natural de todo aquele ecossistema.

Trata-se de um espaço que congrega um vasto conjunto de caraterísticas naturais, e é autêntico monumento, com potencial para ser adequadamente classificado e valorizado, não só no sentido de ser protegido, mas também potenciado, como ferramenta para estimular o turismo sustentável e o desenvolvimento económico da periférica realidade da ilha das Flores. Um tratamento adequado junto da Ribeira do Ferreiro poderá ser ponto de partida para toda uma nova estratégia ambiental na Região, para recuperar o tempo perdido, deitado ao lixo em anos recentes, e resgatar um pingo que seja de ética profissional daquele gabinete político, já quase toda queimada com herbicidas devido a retrocessos legislativos recentes.

A 26 de março de 2025, um grupo de cidadãos informados e bastante preocupados apresentou ao gabinete do Presidente do Governo Regional dos Açores um manifesto e abaixo-assinado onde se solicitava a atenção do líder do executivo para o caso em apreço. As pessoas que corajosamente assinam aquele documento prepararam uma detalhada justificação, onde apresentam várias problemáticas e esgrimam argumentos no sentido de balizar as suas preocupações. Terminam com uma longa lista de perguntas que ficaram por ser respondidas, aquando da visita de Alonso Miguel às Flores.

O que ficou dessa deslocação oficial e pomposa não foi mais do que uma promessa. Ou várias. O executivo de José Manuel Bolieiro habituou-nos, em anos recentes, a prometer muito e a cumprir pouco. De compromisso em compromisso, estes políticos empurram resultados para debaixo do tapete, protegidos pela certeza de que quase ninguém irá espreitar as suas taxas de execução. O povo dos Açores estará mais ocupado a discutir os episódios caricatos que determinado partido vai protagonizando, e que enfraquecem a nossa democracia, mas também servem de distração e bode expiatório.

Foi assim que a coligação se manteve no poder, nas últimas eleições, e é assim que Albuquerque sobrevive reforçado, na Madeira, e que Montenegro espera sobreviver em Lisboa. O PSD e os seus satélites, utilizam um passo de magia para enganar o eleitorado. Esquecem-se é de olhar para as suas costas, porque senão já teriam reparado nas facas que a bancada do sr. Ventura se encontra a afiar. Quando perceberem que foram os coveiros da liberdade, talvez seja tarde.

E, por falar em liberdade, o outro caso de que importa falar, referente ao final de março deste ano, é o do “Grande Debate” sobre cultura, que ocorreu na livraria/café Lar Doce Livro, no dia 29. Estiveram presentes representantes de quatro instituições com posições de agência cultural na ilha Terceira, e projeção para o restante arquipélago. Não esteve ninguém em nome do património cultural, mas isso foi lapso assumido. Falou-se de cultura e do papel da mesma. Ouvimos argumentações do século XIX, tentando criar guerras entre o papel popular e o erudito, mas sem grande sucesso. Recordamos a incompetência absoluta das autoridades, em anos recentes, e a forma como os responsáveis pela pasta, prometeram apresentar novas estratégias que nunca chegaram à luz do dia, nem a consulta pública. Na atual conjuntura, com a diretora regional subestimada, e sem voz cultural a emanar do gabinete da Secretaria, podemos apenas assumir que foi mais uma promessa sem resultado.

Pelo caminho, ecoaram as atrozes bocas de mesa de café nas redes sociais. A cultura permanece na mira de quem a almeja controlar nos bastidores. Publicamente, está reduzida a ameaças, censuras e promessas ocas, sem sentido. Foi essa a conclusão, já bem conhecida, e reproduzida pelo momento de debate.

Mas aquela tarde de sábado serviu também para honrar o papel da Lar Doce Livro na construção de uma nova visão para os Açores. Na falta de resposta ativa, por parte da Direção Regional da Cultura, tem sido aquela livraria, e algumas outras instituições espalhadas pelo arquipélago, que vão assumindo o papel de continuar a segurar o leme do barco à deriva. Depois de confrontados com uma série de infelizes episódios públicos, Joel Neto e Marta Cruz agarram-se à tempestade e surfaram o Adamastor dos barateiros, conquistando a sua posição de destaque, que já é impossível negar.

No dia 29 de março, enquanto se discutia cultura, celebrava-se igualmente o aniversário da Lar Doce Livro. Um ano depois das controvérsias que antecederam a sua inauguração, permanece mais forte, e mais popular do que nunca. Tal como as gentes das Flores, que não tiveram medo de assinar reivindicações, e não baixaram os braços perante promessas por cumprir, também ali se faz a liberdade e se constrói um mundo melhor. Aos florentinos, e à família da Lar Doce Livro, fica uma mensagem de apoio, para que a gente vá continuar.

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