Alexandra Manes

Não se conhece ainda, a fundo, o processo que decorreu nas últimas semanas, referente à queda de uma aluna, com consequente enfermidade evidente, fratura da clavícula e outras maleitas no corpo. A informação que veio a ser transmitida publicamente parte, essencialmente, da mãe da aluna, que o fez com a natural ansiedade e revolta de quem se viu de coração na mão perante o surrealismo daquela situação. Das entidades competentes, pouco se soube de concreto, e tudo o resto foram apenas palavras de defesa sobre o aparentemente indefensável.

Por não conhecer a totalidade dos factos, não será viável escrever sobre este assunto de forma detalhada. Não sou mãe, mas sou filha, e considero ter empatia suficiente para estar profundamente solidária com quem por tudo isto passou.

A minha solidariedade vai, desde logo, para a jovem, para a sua mãe e restante família, afligida não só pela aparente gravidade do caso, mas também pela enxurrada de opiniões públicas que foram surgindo nos últimos tempos. Viver numa ilha nem sempre é fácil. Desejo-lhes pele rija para aguentar os habituais autos de fé que se seguem a estes episódios.

A solidariedade vai também para quem trabalha naquela escola, dedicada ao patrono Vitorino Nemésio, homem da pedagogia e da cultura, que certamente estaria constrangido com a atual realidade que assola a região que o viu nascer. O caso da jovem aluna, vítima deste sistema, espelha a crueldade com que a máquina burocrática trata os mais fracos e os necessitados. Numa entrevista de poucos minutos, as entidades responsáveis deixaram subjacente que, na eventualidade de ter surgido algum problema no processo, os motivos prendiam-se com a falta de verbas, protocolos e estratégias para a gestão quotidiana de um estabelecimento como aquele.

Qualquer pessoa que trabalhe numa escola, na Região Autónoma dos Açores, identificará a gravidade da atual realidade financeira na Educação, pois por muito que se fale nas verbas orçamentais atribuídas à Educação, não nos podemos esquecer de que uma grande fatia é para a Ação Social Escolar, consequência de sermos uma Região pobre. Professores que preparam e imprimem os materiais em casa, a expensas próprias, descontado do ordenado, e que levam os seus equipamentos para trabalhar nas salas comuns. Um corpo não docente envelhecido que, no cumprimento de rácios, se encontra esgotado física e emocionalmente, com funções essenciais, mas cada vez mais exigentes.

Não me dá qualquer prazer continuar aqui a criticar esta secretaria e o seu gabinete, seja ele o oficialmente nomeado, seja o descentralizado que nunca deixou de ali trabalhar, mesmo que já não tenha espaço próprio para mandar. Não há nada de pessoal no que escrevo. É apenas necessário, porque as coisas teimam em não mudar e, conforme se escuta nos corredores do Palacete Silveira e Paulo e nas esquinas da rua Carreira dos Cavalos, há um sistema montado que permanece sem conseguir definir e executar uma estratégia.

Faço-o porque continuo a acreditar que a Educação é o único elevador social, a única ferramenta que é capaz de quebrar ciclos de pobreza, numa região onde os indicadores sociais demonstram a maior falha da nossa Autonomia. Faço-o porque acredito que numa região com tamanhas desigualdades sociais, onde todas as suas consequências se fazem sentir, a Educação tem o poder de alterar o futuro, que tendem traçar à nascença, de muitas e de muitos jovens.

Faço-o porque as instituições escolares, públicas, IPSS ou privadas, não são armazéns. São alavancas para o desenvolvimento sócio económico desta Região. Mas, o vírus de crueldade burocrática, que sempre afetou uma parte da função pública, está totalmente instalado na Secretaria da Educação e Assuntos Culturais. Não podemos deixar de relembrar, quando se fala em opressão de pessoas desfavorecidas, a quantidade de agentes culturais que aguardam resultados para 2025, para saber o que fazer à sua vida. Não é demais falar nas paredes do antigo convento, caídas pelo chão com o peso de uma maquinaria pesada, junto à Santa Casa de Angra do Heroísmo, sem que aparentemente alguém da direção regional competente tenha feito algo para o impedir. E não nos devemos calar sobre os museus, as bibliotecas e os gabinetes onde caem bocados do teto e onde a cultura está remetida para a gaveta de inferior relevância.

A atual Secretária foi escolhida pelos dois executivos de José Manuel Bolieiro como representante de uma vida de sindicalista e política militante, no arquipélago, no país e no Parlamento Europeu. Afirmou-se como defensora de docentes e do sistema de Educação. Teve de acolher a cultura para seu infortúnio. E o grande resultado da sua carreira, talvez o maior dos seus legados, talvez seja o de uma Região cheia de escolas sem dinheiro para tirar fotocópias e museus sem dinheiro para comprar papel higiénico.

O aparelho por ela construído e mantido, com antigas e atuais figuras a trabalhar em simultâneo, e com o peso de qualquer decisão retirado às pessoas com formação e capacidade para o efeito, não é mais do que um ato de metaforicamente atirar pelas escadas abaixo todo um setor, onde falta cultura, perdeu-se a boa educação e é preciso muita ginástica moral para conseguir dormir à noite. Não será preciso ir mais longe do que uma peça de teatro para perceber quem são as marionetas desta história.

Com as legislativas, as autárquicas e as presidenciais a caminho, é altura de Bolieiro pensar em remodelar algumas partes do seu governo. Pressionem quem é preciso pressionar.

As e os vossos filhos merecem melhor. A nossa arte merece mais. O património universal merece respeito. O corpo não docente e docente merece dignidade. Temos de exigir mais.

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