Alexandra Manes

Esta não é uma crónica dedicada a ninguém em particular, mas a todas e todos em geral.Nem sequer é para ser lida pelos membros do partido do senhor Ventura. Aqueles, que defendem Donald Trump. Este texto não é para partilharem e usarem como alvo de arremesso de setas em nenhuma sede.

Este é um desabafo sobre saúde mental, na verdade. Um conjunto de linhas, escrito entre dentes e lágrimas, depois de ter escutado intervenções recentes, no último plenário da Assembleia Regional.

Considero que a Humanidade tem vindo a dar um salto evolutivo, no que concerne às ferramentas disponíveis para manifestar empatia. Tornou-se socialmente aceite a inclusão de todo o tipo de pessoas em grupos do quotidiano, com todas as suas caraterísticas,graus, qualidades e competências. Tudo pareceu caminhar na direção de um mundo de aceitação e plenitude. Inclusive, no que concerne a uma temática frequentemente esquecida, como é o caso da saúde mental.

O aumento do número de suicídios, depressões crónicas, situações de ansiedade debilitante, ataques de pânico e outras coisas que tal, levaram a que fosse necessária uma resposta eficaz, e a uma normalização da condição de doença. Não caberia na cabeça de alguém com um pingo de decência, imaginar um mundo voltado para o retrocesso aos antigos sanatórios e às terapias de choque e convulsão.

Até que, com a ascensão da extrema-direita, no mundo inteiro, o mal regressou aos parlamentos do nosso planeta. De Washington a Bruxelas, de Moscovo a Lisboa e do Funchal à Horta. Sentam-se figuras assombradas pelo fantasma de uma grandeza passada que nunca existiu e apresentam propostas, declarações de voto e discursos inflamados contra a decência e a dignidade.

Assim foi, quando recentemente a bancada regional de André Ventura se levantou e começou a falar sobre alegadas baixas fraudulentas, generalizando e destratando muitas pessoas que querem trabalhar, mas simplesmente não dispõem de condições para tal. Não sei se já perceberam, mas a depressão não se vê num rosto, num batom ou num vestido. É algo interno e doloroso. Extremamente doloroso ao ponto de não se saber se o medo é o de adormecer ou o de acordar.Uma luta para se ser funcional e encontrar estratégias para tal. Recorrer ao motor de busca da Google, é, muitas vezes, para se procurar formas, menos dolorosas para a família, antes de escrever uma nota de despedida.

Foi tecida uma manta de insinuações e desinformações, com alegações e suspeitas, para construir uma nova narrativa de ataque a quem está doente. No meio de tudo isso,caiu a guilhotina em cima de quem padece de problemas de saúde mental. E houve quem se tenha levantado para afirmar que os ditos “malucos” internam-se na “casa de saúde”. Diria ter sido um eufemismo barato, mas não sei se a pessoa em questão reconhecerá o significado da palavra.

As conclusões que conseguimos retirar passam por uma verdade evidente, que já aqui denunciei mais do que uma vez: aquela gente não quer saber de nós. Das pessoas que precisam de ajuda. Dos mais pobres, mais fracos e mais necessitados. Dos enfermos e dos que os cuidam deles. Dos agentes de cultura e de mudança. Eles só querem saber de reinar. Da construção de uma falsa realidade onde existam trincheiras e guerras para ser travadas. É o ódio que alimenta a grande máquina robótica atrelada à mão do seu ídolo Ventura. Sem eleitores mal-informados, a espumar de raiva, o partido estaria limitado a um pequeno grupo de neonazis e pouco mais.

Para o Governo Regional dos Açores, que continua a afirmar-se a favor de iniciativas sobre saúde mental, quando lhe convém às aparências, talvez fosse bom perceber com quem se deita na cama política, e escolher melhor os companheiros de lençóis. Não poderão utilizar a honestidade numa mão e aliar-se à falsidade com a outra, recriando as personagens da famosa peça de Oscar Wilde, numa transfiguração de Ernesto para Honesto. Para a Direção Regional que tem a inclusão e deve zelar por todas as pessoas que aqui vivem, esta é uma ameaça clara, que vem de dentro, e não parece perder força. E para a outra Secretaria, que apoia a comunicação social e a informação, talvez fosse bom pensar-se numa maneira de combater tanta desinformação e brejeirice na dita Casa da Democracia.

Recomendo que coloquem os olhos em coisas sérias, como tem sido o trabalho desenvolvido pela GetArt, com o recém-lançado Guia de Boas Práticas de Inclusão Social através da Arte, onde se mostram os caminhos a seguir para fazer uma mudança verdadeira, combatendo estigmas como o do capacitismo. Ou que enviem representantes às conferências internacionais sobre saúde mental, promovidas pela Associação para o Estudo e Integração Psicossocial, em Lisboa, no final do mês corrente, para ver se aprendem alguma coisa e deixam de reciclar frases feitas, do século XIX.

Quanto ao que foi dito, propriamente, não posso deixar de lembrar um escrito publicado no Diário Insular, há precisamente dez anos, mais coisa menos coisa. Na altura, o autor queixava-se de “doidos pela cidade” de Angra do Heroísmo, afirmando que a presença de pessoas com distúrbios psicológicos nas ruas seria prejudicial ao crescimento do nosso turismo e à imagem da ilha. Não tecerei comentários sobre tal conteúdo, uma década depois, mas qualquer pessoa com fibra moral saberá o que pensar sobre tal coisa e reconhecerá o caminho trilhado, pelas instituições, para a autonomia possível dessas pessoas.

Em vez disso, pergunto: que imagem queremos passar dos Açores, com tamanha barbaridade e insanidade manifestada no discurso da nossa Assembleia? Deixem em paz e em tratamento aqueles que precisam de ajuda, e preocupem-se antes quem de fato e gravata quer acabar com a nossa Humanidade!

Sugiro uma reflexão. Como se sentem as pessoas, com problemas de saúde mental, depois de tudo o que foi dito na Sala de Sessões, na Horta? Como se sentem os profissionais de Saúde, especializados n aárea de Saúde Mental? Que caminho queremos trilhar para combater a epidemia das depressões?

Primeiro foram os ciganos, depois as pessoas que auferem do RSI e agora pessoas com doença mental. Quando chegar a tua vez, o que farás?

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