Alexandra Manes

O projeto estratégico ATLANTE é uma iniciativa da Vice-Presidência do Governo Regional dos Açores que visa facilitar relações entre países europeus e africanos, que participem nos programas de financiamento MAC, ou seja, enquadrados na Macaronésia e áreas adjacentes. Para o efeito, preconiza a realização de iniciativas diplomáticas, onde sejam construídas e reforçadas redes de cooperação. Seja lá o que se deva entender por isso.

Recentemente, ganhou novo ânimo o trabalho em curso, ao ser tornado público um contrato de aquisição de serviços que foi celebrado entre a Vice-Presidência e uma agência de viagens local, no âmbito do referido projeto. Trata-se de um acordo de prestação de trabalhos orçado num valor de cinquenta e dois mil e duzentos euros, mais IVA, alcançando os cerca de setenta mil euros, com as contas todas feitas.

Trata-se de um investimento substancial, numa Região ultraperiférica, que se deseja ser mais desenvolvida, mesmo que perdure e aumente a desigualdade, com a pobreza galopante, as distinções classistas e o cada vez maior peso da extrema-direita.

Para o efeito, espera-se que tamanho projeto de investimento se materialize numa atividade com palpáveis resultados para o futuro do arquipélago.

Na verdade, o contrato de aquisição de serviços que foi celebrado, serviu para organizar a viagem de onze pessoas, passando por Lisboa, e com destino final em São Tomé.

Partiram da Terceira, do Faial e de S. Miguel, totalizando uma comitiva diplomática substancial, que se comprometeu a participar num evento de intercâmbio de conhecimentos e fortalecimento de ligações institucionais. Depreende-se que tenha sido com o governo de São Tomé.

Para os mais distraídos, e recapitulando, foram cerca de 70 mil euros despendidos para potenciar a viagem da Vice-Presidência, e respetivos convidados, com vista à participação nesse tal evento, que, pelo caderno de encargos, durou seis dias. Aguardamos agora os resultados.

O que já sabemos é que vivemos na Região com mais alta taxa de pobreza no país. Que a cobertura e o acesso à educação são cada vez mais desiguais, desde a creche ao ensino superior. Que se desmultiplicam os casos sérios que precisariam de uma intervenção direta das autoridades. E que as soluções ponderadas pelos executivos liderados por José Manuel Boliero vão viajando.

Não se deve almejar o ato de algemar um governo periférico e insular. Pela própria natureza geográfica dos Açores, vai ser sempre necessário que os nossos governantes passem muito tempo no avião, e por experiência própria, sei bem o quanto isso se revela cansativo. Nem tudo são férias, como alguns populistas podem desejar anunciar.

Só que há uma grande diferença entre viajar e estar num evento de seis dias em São Tomé. Talvez exista um relatório detalhado, que ainda não foi tornado público, e que nos conte o que foi feito durante aquele tempo todo, com motoristas, hotéis de cinco estrelas e outras mordomias que tal.

Não serve este texto para anunciar que não haverá justificação. Serve, sim, para pedir algum decoro nestes processos, e algum cuidado nas suas execuções. As relações internacionais são assunto de relevo para qualquer governo, regional ou nacional. A criação e o reforçar de pontes deve ser mantido. Mas não pode valer tudo. E 70 mil euros seria verba a investir com ponderação, certamente.

Como é que interpretamos a recente visita institucional de Luís Garcia ao projeto Zero Desperdício, trabalho que serve para poupar esforços ambientais e valorizar cuidados nos esbanjamentos? Como é que devemos ler os elogios do Presidente da Assembleia, referentes ao esforço de sustentabilidade do mesmo, dias depois desse tal evento de seis dias em São Tomé? Como é que se lida com um governo que afirma tudo e faz o seu contrário?

Somos um povo de navegadores e viajantes. Só pedimos que os nossos timoneiros não andem a navegar contra os ventos, que o mar não está bom para desperdícios.

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