Alexandra Manes

Quando cai o dia para dar lugar à noite seguinte, e o incrível lusco-fusco ganha contornos únicos entre o azul da manhã e o breu noturno, observo o crepúsculo da hora através da paisagem que se ensimesma à frente de onde estou, do Porto Judeu para os Ilhéus das Cabras. Tomo a liberdade de perguntar a um grupo de pessoas que observa aquela visão ao meu lado. Questiono sobre que imagens associam à silhueta daquelas duas ilhotas irmãs, flutuando ao sabor da chegada da escuridão.

E, numa questão de segundos, alguém responde, invocando a literatura e a ode literária representada pelo chapéu do nosso querido Principezinho. Essa tinha sido, também, a minha perceção, mas a minha primeira reação passou por questionar a lógica de pensamento subjacente a tal afirmação. Porém, recuei, permitindo-me abalizar o que sentia na minha experiência profissional e no meu desenvolvimento pessoal. Nem sempre é de explicações que precisamos. Quantas vezes não precisamos apenas de uma oportunidade para pensar? Quantos dias da nossa caminhada não seriam mais fáceis se nos fosse dada a liberdade para sentir e ser, sem ter que justificar quem somos?

Enfrentar esses desafios é um trabalho hercúleo, tantas vezes injustamente esquecido e frequentemente abafado pelo barulho do trânsito e da azáfama da vida que se convencionou como quotidiana. Assim, sinto o esforço do Sérgio Nascimento e reconheço nele um mérito que me apraz valorizar nas primeiras linhas de 2025.

Sérgio foi (e sempre será) um dos dinamizadores da instituição “Olhar Poente”, organização que abre caudais de igualdade para todos os rios que correm da cabeça de crianças e adolescentes. Ali, as diferenças são apenas pontos de partida para a construção de pontes que ligam cada um desses rios e formam um grande oceano com a sua complexidade inerente, mas assente na moral e no reconhecimento mútuo.

“Olhar Poente” celebrou recentemente quinze anos de existência. Com a liderança do Sérgio e uma equipa preparada, que é a sua maior aliada, desenvolveu um projeto visionário e inovador. Congregou trabalhadoras e trabalhadores, pais e mães de uma comunidade em expansão, edificando um sonho comum de familiaridade pedagógica, verdadeiramente fora da caixa a que nos fomos habituando. Aquela é uma equipa que prepara e foca a inclusão com uma genialidade operacional que merece verdadeiro destaque.

Cada criança que por ali passa vai abandonar os conceitos adultos de discriminação e distinção classista. Cada pessoa que ali renasce sabe que não é a cor de pele, nem a religião, muito menos a proveniência social, que nos separa. O que nos une é a liberdade do nosso pensamento, onde não é preciso motivo para justificar o que o nosso olhar interpreta em cada paisagem que observa.

“Olhar Poente” dinamiza um trabalho de valorização individual para a construção do coletivo. Aposta na formação, na qualificação e na coesão da equipa, compreendendo que essa construção permanente é essencial para o sucesso das múltiplas respostas necessárias para cada desafio que se levanta. A cooperação é o pilar fundacional para que cada criança entenda a comunidade em união e perceba que esse é o principal caminho para responder ao futuro.

Reconheço um esforço digno, partindo da freguesia da Vila Nova, na ilha Terceira, para abarcar grande parte do concelho da Praia da Vitória, criando espaços de aprendizagem onde o lúdico e o pedagógico se misturam e comungam em harmonia. Não falamos de caixas para acolher crianças enquanto os encarregados de educação trabalham. Não se trata de uma prisão improvisada, na senda do que se ouve discutir em sede política. Trata-se de uma interação permanente entre adultos e crianças, onde quem aprende também ensina.

A “Olhar Poente” tem vindo a promover trabalho em vários projetos paralelos, conseguindo a criação de mais de sessenta postos de trabalho, e de onde destaco «SOS Casa», «Babysitting & Animação de Eventos», entre outros. Acrescem parcerias que permitiram aprofundar conhecimentos e promover partilhas em iniciativas como a realização do «1.º Congresso Insular Olhar o Futuro», que juntou especialistas nas áreas da Educação e da Saúde.

Recebeu várias distinções, entre elas o Prémio «Healthy Workplaces», único existente nas Regiões Autónomas, e o Selo Protetor da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, entregue pela primeira vez nos Açores.

Não me restam dúvidas acerca do mérito do trabalho promovido pela “Olhar Poente”, que foi agora novamente reconhecida, desta vez pela Junta de Freguesia da Vila Nova, enquanto entidade de mérito e excelência.

Num recente ato eleitoral democrático, foram eleitos os novos órgãos sociais da instituição. Desta vez, caberá a uma mulher – Sandra Serpa – o cargo de Presidente, e a Francisco Melo o de Vice-Presidente.

Reconheço publicamente a determinação, força e dedicação da Sandra, a qual se envolveu com esta instituição desde o seu início. O conhecimento, o pragmatismo, o empenho e a sensibilidade em questões sociais do Francisco, bem como a disponibilidade de toda a equipa, deixam-me convicta acerca do futuro da “Olhar Poente”, da continuação e expansão desta instituição.

É-me impossível mencionar todas as pessoas que fazem parte desta equipa por uma questão de espaço, mas Marina, Vânia, Josefa, Fabiana, Carlota, Gabriel, Valdemar e restantes: o vosso trabalho é a felicidade de muitas famílias.

Ao Sérgio, que sempre reconheceu o esforço da equipa de trabalho, retomo as palavras de Antoine de Saint-Exupéry, para agradecer tudo o que foi feito e afirmar que foi um espelho deste seu belíssimo pensamento: “As pessoas crescidas têm sempre necessidade de explicações. Nunca compreendem nada sozinhas e é fatigante para as crianças estarem sempre a dar explicações.”

Obrigada. Um abraço para o Sérgio, para a Sara e para o Manuel. Afinal, foi a partir de um sonho familiar que tudo isto se concretizou.

Feliz 2025!

 

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