Estávamos em 2008. Manuela Ferreira Leite era Presidente do Partido Social Democrata. O assunto na ordem do dia era, à data, a reforma da Justiça e, principalmente, a medida anunciada pelo Primeiro-Ministro, José Sócrates, de reduzir as férias dos juízes. Ora, Manuela Ferreira Leite, veio a terreiro defender a ideia de que não se deve tentar fazer reformas contra as classes profissionais. Até aqui, julgo que (quase) todos concordavam com ela. O problema foi o que veio a seguir. Não sei se, passados 16 anos, ainda todos se recordam das tristemente celebres palavras. Com recurso ao Google, vou citar Ferreira Leite. Disse, então, ela o seguinte: “Eu não acredito em reformas, quando se está em democracia…”. “Quando não se está em democracia é outra conversa, eu digo como é que é e faz-se”. Tendo acrescentado, de imediato a seguinte “bomba”: “E até não sei se a certa altura não seria bom haver seis meses sem democracia, mete-se tudo na ordem e depois então venha a democracia”. Depois disto já ninguém ouviu a Presidente do PSD dizer, e volto a citar, que “Agora em democracia efetivamente não se pode hostilizar uma classe profissional para de seguida ter a opinião pública contra essa classe profissional e então depois entrar a reformar – porque nessa altura estão eles todos contra. Não é possível fazer uma reforma da justiça sem os juízes, fazer uma reforma da saúde sem os médicos”. As reações à “bomba” dita por Ferreira Leite, como seria expetável, não se fizeram esperar. As críticas vieram de todos os lados. A frase, tremendamente infeliz, fez com que fossem colados rótulos, desde saudosista até mesmo fascista, a uma anteriormente reconhecida social democrata. Vem esta minha memória a respeito de intervenções recentes de duas socialistas que muito prezo. A primeira delas até foi minha Professora na Faculdade de Direito de Lisboa. É atualmente líder parlamentar do PS na Assembleia da República. Refiro-me a Alexandra Leitão.

Leio sempre as suas crónicas no Expresso e acompanho as suas participações na CNN Portugal. Alexandra Leitão, numa reação via rede social X à vitória de Trump, escreveu e cito (entre outras coisas): “Venceu a indecência.” A outra intervenção pública, em sentido idêntico foi efetuada pela ex candidata socialista à Presidência da República, Ana Gomes, que, ao seu estilo, veio dizer que “foi a vitória do ódio”; “da xenofobia” e do “liberalismo sem regras”. Acrescentando ainda o seguinte: “Tinha 167 mil seguidores no Twitter e saí. Não quero alinhar numa rede que é um veiculo instrumental para esta dominação de Trump.” Ora, com o devido respeito pela liberdade opinião, gostava de relembrar que em democracia, que no caso dos Estados Unidos da América resulta originariamente da Constituição aprovada em 1787 e que teve como primeiro Presidente eleito George Washington em 1789, nunca vence a indecência. O vencedor resulta da vontade, expressa através do voto livre, do soberano Povo. No caso americano, mais de 75 milhões (!!) de eleitores votaram em Trump. São todos indecentes? São todos fascistas? São todos racistas? São todos xenófobos? Não. Obviamente que não! O combate aos “Trump´s” não é por aqui… O caminho da adjetivação, da superioridade moral de uns face a outros, etc.. não é a solução! Esse caminho não levará ninguém que respeite a Democracia a um bom destino. Nem na América, nem em lado nenhum. Não é essa a receita para a aproximação ao mundo real! Mundo real que não se resume a 167 mil seguidores. Mundo real que, em abono da verdade, não quer saber se a Ana Gomes fechou ou abriu a conta no X…

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