Memórias de Gualter Furtado: O Legado Antifascista de António Borges Coutinho nos Açores

Na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, Gualter Furtado recordou a sua primeira interação com o Dr. António Borges Coutinho, economista e figura de destaque na luta antifascista. Esta memória remonta a um comício da oposição democrática em Ponta Delgada, realizado antes do 25 de abril de 1974, onde discursou ao lado do saudoso amigo António Arruda, uma figura também ligada ao movimento de resistência ao regime. Este encontro marcou-o profundamente, não só pelo discurso inspirador de Arruda, escrito na noite anterior nas Furnas, mas também pela postura destemida de António Borges Coutinho, cuja voz e presença impressionaram Furtado, então com apenas 16 anos.

O discurso de Furtado procurou contextualizar o impacto do Dr. António Borges Coutinho, o primeiro Governador Civil do então distrito autónomo de Ponta Delgada no pós-25 de abril. O economista furnense descreveu o ambiente económico difícil da época, marcado pela pobreza generalizada, alta taxa de emigração e uma sociedade predominantemente rural, focada na pecuária e dependente de rendas fundiárias. Furtado sublinhou ainda o papel da instalação da multinacional Nestlé na Lagoa, que representou uma das poucas vias de progresso para a economia local, embora com as suas limitações e sob o peso das tensões inflacionistas provocadas pelo primeiro choque petrolífero em 1973.

António Borges Coutinho governou num período de tensões políticas, sociais e económicas exacerbadas pela Revolução dos Cravos, enfrentando as dificuldades de uma economia mal remunerada e a migração em massa que afetava as ilhas. Entre 1950 e 1974, 112.500 açorianos emigraram, e em Ponta Delgada registaram-se taxas de emigração superiores a qualquer outra região de Portugal, em busca de melhores condições de vida e educação para os filhos.

Entre outros temas, Furtado destacou ainda a alarmante taxa de mortalidade infantil da época, que em 1960 era de 78 mortes por 1.000 nascimentos nos Açores, em contraste com os dados atuais, que apontam para 2,4 mortes por 1.000 nascimentos. Outro dado ilustrativo foi a alta taxa de analfabetismo, superior a 40% nos anos 60, que continuou a ser um problema nos inícios dos anos 70, mesmo com os esforços de campanha educativa do Marcelismo. O acesso à cultura e à educação era limitado, sem universidades na região e com um número muito reduzido de escolas secundárias.

Gualter Furtado terminou o seu testemunho reafirmando que, embora o Dr. António Borges Coutinho tenha enfrentado críticas, o seu “sacrifício” na liderança dos Açores teve um impacto determinante na construção da Autonomia Constitucional Democrática, na criação da Universidade dos Açores e na conquista da liberdade que hoje se vive no arquipélago. Esse legado foi possível graças ao 25 de Abril e a todos os que lutaram pela liberdade, num tributo à coragem e convicções de António Borges Coutinho.

 

PUB