Alexandra Manes

No plenário de setembro, foi trazida à discussão uma declaração política, chamando a terreiro a total falta de políticas culturais demonstradas pelas várias pessoas que ocuparam os lugares de decisão na cultura, desde 2020.

Evidenciaram-se as enormes carências na gestão do património cultural, abandonado, sem quem saiba ou queira saber fazer alguma coisa com ele. Um setor que mantém os bons técnicos em banho-maria, enquanto arremessa discursos sem substância ou ideias.

Na mesma declaração política, falou-se dos investimentos para as e os agentes culturais, que o Governo Regional teima em não atribuir a tempo e horas. Do dinheiro que não chegou, mas também das estratégias que nunca foram traçadas.

Idas às feiras do livro, primeiro canceladas, e mais tarde embebidas na vida cultural do diretor regional. Não é à toa que fecham livrarias numa Região onde não se valoriza o ato de ler. Encontros sobre o setor audiovisual, promovidos, estimulados e entregues ao caixote do lixo.

Desde 2020 que o executivo de Bolieiro promete qualquer coisa para essas áreas, sem entregar o que quer que seja. A culpa não pode ser dos duodécimos.

Terminou a leitura da declaração política, e logo as deputadas e os deputados pediram palavras para intervir. Marta Matos, uma das maiores defensoras do setor cultural apresentou uma louvável observação sobre a arrogância e a desfaçatez de uma estratégia de desmontagem e destruição da cultura açoriana, incitando a responsável política a pedir desculpa ao povo dos Açores por tudo o que lhes retirou nos últimos quatro anos.

Joaquim Machado iniciou a sua intervenção, demonstrando uma vez mais que simpatiza com o extremismo que vai infetando o seu partido. Falou da Venezuela e da cultura estatal, num pequeno sketch de comédia que seria perfeitamente enquadrável numa América de McCarthy, onde a cassete era sempre a mesma, e a cultura era quem sofria. O deputado da coligação, preso na década de cinquenta do século passado, deixou a sua mensagem: para ele, não é preciso investir na cultura.

Quem quiser, que pague para fazer teatro, para escrever livros, para criar exposições de pintura ou de escultura onde se retratem as coisas boas e se valorize a nossa terra. Quem tiver o desplante de querer ser agente cultural, que pague do seu bolso e se não tiver, também não faz falta nenhuma, quis o deputado social-democrata dizer.

Ler muito, afinal de contas, pode provocar inteligência suficiente para ouvir um discurso populista, sem qualquer validade, e decidir não votar naquele partido.

O sr. Deputado, não satisfeito com o que tinha dito, reafirmou num artigo da sua autoria, em que afirma, e passo a citar, “Admito que nem todos comunguem de um modelo de financiamento cultural assim enquadrado. Este é o que defendo.”. No entanto, o facto é que ele afirma tal coisa como se fosse deputado do terceiro anel, da Sala de Sessões, mas quando interviu estava na primeira fila, é vice-presidente da Assembleia Legislativa dos Açores e arroga-se a proto líder da bancada. Com o seu discurso, Joaquim Machado vinculou a coligação e o governo, tanto mais que ninguém contraditou o que ele disse.

A direita ainda mais extremada continuou a lengalenga. Ficou claro nos discursos que se seguiram, da parte da Iniciativa Liberal e do partido do senhor Ventura, que a única cultura que lhes interessa é a do seu umbigo. Usando uma popular expressão adequada a quem tanto gosta delas, é caso para dizer que aqueles homens abriram muito a boca, mas não deixaram entrar qualquer mosca. Em vez disso, apelaram ao desinvestimento total na cultura, por parte do Governo Regional. Acabem os apoios. Desmontem-se os

regimes jurídicos. Entregue-se a cultura ao liberal estrangeiro que quer comprar fajãs. Enfiem-se os livros com muitas letras na sua posição de suporte de móveis, como eram no tempo do outro senhor de quem tanto eles gostam.

A direita que falou na Assembleia dos Açores no dia 12 de setembro deixou bem clara a sua ideologia sobre a cultura: é para extinguir. Só ficam as pessoas dispostas a bajular e defender uma corrente contra a inteligência e o pensamento livre. Os mesmos deputados que no dia anterior tinham falado da importância de Vitorino, do prémio que vai ser atribuído e das causas culturais que ele defendeu, foram categóricos na defesa da destruição absoluta da cultura nos Açores. Talvez tenha sido falta de leitura, para saberem o significado da palavra hipocrisia.

O que é certo é que o Governo Regional de José Manuel Bolieiro ainda não pagou o que deve aos artistas, em 2024. Demorou a pagar nos anos anteriores. Não apresentou políticas de gestão. Não tem qualquer visão para o património cultural, que nem sequer conseguiu ainda chegar ao final do concurso para a sua chefia. Foi este o governo que suprimiu os prémios de literatura, de arquitetura e de outros setores, que a Direção Regional da Cultura outrora fazia por atribuir, e agora já nem publicita.

Deixo um apelo a quem trabalha na cultura, seja no privado, seja no público. A cultura está debaixo de fogo cerrado. Discutem-se as verbas para o próximo ano, mas nada disso servirá de grande coisa, se as políticas não forem outras.

Os deputados que falaram pela direita foram claros. Se depender deles, é para fechar a porta. Indignem-se!

Ou qualquer dia já nem boca para falar vos restará.

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