Alexandra Manes

Setembro traz sempre consigo um ar fresco de quem anuncia a vinda de dias mais frios, e o regresso à normalidade para muitas pessoas. Entre as que regressam, destaque para a classe política, que habitualmente usa o mês de agosto como ponto de descanso. Mesmo que isso implique abandonar o país em tempo de crise na saúde, ou testar o conforto da toalha de praia enquanto a ilha arde. Dentro desses regressos ao trabalho, verificam-se algumas novidades nas estratégias a implementar. Exemplo evidente é o caso da cultura nos Açores, que parece ter acordado de um coma profundo nos últimos meses, tentando aparecer e dar um ar de normalidade, com entrevistas recentes da secretária que nunca quis ser, e da sua diretora que muitas pessoas desconhecem.

Sandra Garcia, a atual diretora regional da cultura dos Açores,surge em grande plano, numa reportagem de duas páginas no Açoriano Oriental, onde fala de património cultural, setor lamentavelmente moribundo, muito por inação de recentes governações, e falta de mérito de quem as orienta.

A primeira chamada do jornal remete-nos para os números de visitantes nos museus da Região. Aumentaram,uma vez mais, face aos baixos resultados de 2019, último ano antes da pandemia. Uma boa novidade, fruto do trabalho técnico de excelência dos funcionários que vão aguentando o barco em afundamento que é aquela direção regional. Só que, na mesma reportagem, alerta-se o leitor para o facto de o serviço que faz o registo de visitantes não estar preparado para diferenciar entre turistas e outras tipologias de visitantes, algo que,em princípio, implicaria uma mudança básica naquele sistema, e que ainda não foi feita,vá-se lá saber porquê.

É um assunto de pouca importância, mas parece-me sintomático, refletindo a doença terminal de que sofre a cultura insular. Sandra Garcia reconhece que o aumento de visitantes é, naturalmente, espelho do aumento do turismo na Região, mas na mesma frase afirma que é também consequência dos investimentos que foram feitos nas estruturas museológicas.

Quem a ler, deverá perguntar: e o que é que foi feito? Sandra Garcia menciona trabalhos em Santa Maria e São Jorge, que podemos apenas inferir serem referentes aos novos núcleos museológicos, empreitadas preparadas há quase uma década, preconizadas por executivos anteriores, e sem qualquer intervenção dos atuais governantes, a não ser na assinatura dos papéis e no cortar das fitas. Conforme já tive oportunidade de escrever, noutra crónica, o que Bolieiro e a sua equipa fazem de melhor é cortar fitas que não penduraram.

O desinvestimento nas estruturas museológicas é fruto desta coligação. Chove dentro das bibliotecas e dos museus. Há falta de acessibilidades, telhas caídas, paredes cheias de humidade e estruturalmente inseguras. Há quadros de eletricidade em risco de incêndio. Funcionárias e funcionários cronicamente cansados, que recebem mal, vítimas de chefias impreparadas.

Quantos museus e bibliotecas terão os planos de segurança, obrigatórios, devidamente atualizados? Quais as instituições que contam com planos de emergência? Planos de conservação preventiva? Ou mesmo planos museológicos, ferramentas essenciais e totalmente ignoradas pela tutela em vigor?

Sandra Garcia galvaniza e reconhece o trabalho dos museus e das bibliotecas, mas não refere que o sucesso que é alcançado, tem sido feito à revelia da falta de condições que ela, e os seus antecessores, fizeram questão em garantir. Ainda nesse sentido, os três únicos projetos por ela destacados são obras de outrem. A “Joia Açoriana” e a “campanha de comunicação”, sobre inspiração advinda da visitação aos museus, são resultados de iniciativas internas, que para se concretizarem fizeram o caminho das pedras, recebendo pouco apoio político; ao passo que “Diário de Bordo”, de Duarte Chaves, apresentou resultados paupérrimos, por ele próprio anunciados, na sua derradeira entrevista enquanto diretor regional. Nem valerá a pena perguntar onde estão os resultados das iniciativas do património imaterial, supostamente comunicadas no final de 2023 e que, um ano depois, ainda não apresentaram conclusões.

A reportagem do Açoriano Oriental termina, na segunda página dedicada à cultura, anunciando uma providência cautelar interposta ao concurso para o lugar de direção no Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas, o que terá levado a que o processo aguarde decisão judicial. Sandra Garcia não comenta o assunto de forma direta, o que é compreensível, dada a natureza do mesmo. Mas talvez seja de comentar o facto de este não ser o único concurso que aguarda decisões e desenvolvimentos dentro daquela direção regional.

Uma breve passagem pela Bolsa de Emprego Público nos Açores permite a qualquer Pessoa reconhecer que o património cultural aguarda chefia, pelo menos desde o começo de 2024. O concurso para aquela divisão foi aberto em janeiro, e está parado desde então, mesmo sem providências cautelares de que tenhamos conhecimento. Resta saber se a paragem se prende com o tempo que as senhoras responsáveis estão a demorar para escolher a dedo quem lá querem colocar. A julgar pelas escolhas já tomadas, noutros processos semelhantes na cultura, nada de bom virá de uma decisão tão demorada.

Até lá, a cultura regressa ao olhar do público, primeiro pela entrevista de Sofia Ribeiro, que não é honesta com os apoios aos agentes culturais, e agora pelo olhar de Sandra Garcia, mencionando resultados, enquanto esconde as infelizes realidades de quem lá trabalha, ao invés de quem a finge gerir.

Uma reentrada que espelha bem a permanência do desastre daquela direção regional, que já nem a podemos chamar de parente pobre. A cultura está é órfã.

Desengane-se quem considerar que tenho algo pessoal contra as sras. secretária e diretora. Tenho sim, contra as medidas políticas, dos últimos anos, que levaram à orfandade da Cultura.

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