Alexandra Manes

O mês de agosto trouxe uma vaga de calor daquelas de que não temos memória, até porque muito provavelmente seria impossível ter. As alterações climáticas, provocadas pelas ações violentas de um capitalismo desenfreado espalharam-se por todo o mundo, trazendo consequências nefastas. Aos governos, e até mesmo aos que governam e querem ignorar a situação, caberá agora tomar decisões sérias, no sentido de precaver as suas populações e salvaguardar quem vai passar cada vez mais necessidades.

Assistimos às notícias típicas deste período do ano. Esgotam-se as ventoinhas. A vox populi queixa-se do ar quente. Os políticos estão na praia, a apanhar sol. E os incêndios espalham-se nas partes que ainda não tinham atingido em anos passados. Até aí, para mal da nossa Humanidade, já nos vamos habituando. O que nunca foi normal foi ver imagens do vizinho arquipélago da Madeira na forma como temos visto nos dias que correm.

Os episódios de maior intensidade remontam o seu começo a quarta-feira, dia 14 de agosto, quando um incêndio deflagrou na ilha da Madeira e rapidamente se foi espalhando até tomar proporções verdadeiramente dantescas. As populações, assustadas, clamaram por ajuda. As redes de abastecimento e de proteção civil parecem não ter dado resposta, em parte pela natureza geográfica de uma ilha de relevos acidentados, mas também em parte pela falta de estratégias programadas para o efeito.

A Madeira, literalmente debaixo de fogo, com locais que passaram de paraísos a infernos no espaço de algumas horas. É uma consequência evidente do clima em mudança drástica, mas é também um reflexo de uma política de ingerência que nos parece cada vez mais gritante. Foram décadas e décadas de Jardim, onde imperava o progresso das fitas cortadas, do betão e do turismo, sem olhar a meios nem a medidas para assegurar que as naturais belezas de um arquipélago irmão poderiam sobreviver à dura realidade de um mundo em mudança. Quando o povo pareceu desejar uma mudança, foi de Jardim em Albuquerque que se transitou para uma solução que nada trouxe no sentido de solucionar.

Recentemente, uma solução em tudo semelhante à dos Açores, e agora também muito parecida com a de Portugal continental, tomou conta daquele governo regional. Miguel Albuquerque foi acusado, foi a votos e conseguiu aguentar-se no poder, mesmo que para tal tenha forçado uma alegada purga interna que o libertou de oposição direta dentro do seu partido.

Aparentemente incapaz de dar resposta aos incêndios em crescimento, o governo da coligação madeirense tentou desesperadamente esconder o desastre da opinião pública, acusando os supostos adversários de oportunismo, quando o que se desejava era arranjar maneira de proteger quem mais precisava. Instrumentalizando a própria polícia, assistimos a trabalhos de jornalismo que foram sendo saneados e afastados das frentes de combate, conforme o exemplo da açoriana Luísa Couto, que ao serviço da TVI se viu confrontada com tão impensável realidade.

A 18 de agosto, Albuquerque interrompeu as suas férias, na vizinha ilha do Porto Santo, para se deslocar ao trabalho e assumir a liderança no combate. Só que, com verdadeiros tiques de trumpismo insular, veio antes chamar de abutres os que defendiam as pessoas da Madeira, alegar falta de apoios dos seus congéneres partidários no Continente, e depois regressou à praia. Sim. A 19 de agosto, um dia depois, a comunicação social noticiava que o presidente do Governo Regional da Madeira voltava às praias do Porto Santo para continuar as férias, mesmo que os seus subordinados tentassem assegurar que o chefe iria acompanhar tudo a partir do areal e quando criticado por tal ato, ainda disse que ninguém lhe dava lições de moral.

Revemos ali o legado desastroso de um partido que nunca saiu do poder, e que ocupa naquele arquipélago uma posição que dura há mais tempo que o próprio Estado Novo. A impunidade é de tal forma assustadora que só podemos imaginar o líder social-democrata, estendido na sua toalha, a ver no telemóvel as imagens das pessoas desalojadas, ou dos bombeiros em combate intenso pela sua própria vida.

Arrepiam-se as almas ao pensar na forma como se chegou até essa falta de moral e empatia. E não deixo de pensar nos que cá temos, que foram colegas de universidades partidárias de verões passados, questionando-me se será assim que vamos enfrentar por aqui as próximas cheias de inverno ou as catástrofes que se poderão abater sobre o futuro.

Dos Açores, algumas palavras de esperança, para os profissionais que partiram para ajudar as nossas vizinhas e os nossos vizinhos insulares. Quinze bombeiros que voaram em direção à Madeira, para arriscar as suas vidas, enquanto outros dormitavam à sombra do chapéu de sol. Do Continente, não valerá muito a pena tentar perceber as declarações da senhora ministra responsável, porque não só se foram auto desmentindo, como os resultados serviram apenas para atrasar qualquer processo racional. Da Madeira, esperemos que os ventos sejam frios e capazes de apagar esses fogos literais e metafóricos, desejando que, de futuro, haja quem seja capaz de abdicar de um mergulho e de uma poncha, para estar na linha da frente a fazer o que lhe devia competir.

À jornalista Luísa Couto um abraço solidário e cumprimentá-la pela sua coragem e determinação em revelar o que o governo madeirense não queria. Não foi a primeira vez que Luísa mostrou o seu profissionalismo, mas assistir às imagens e aos seus textos, é de agradecer por ela existir e pela empatia real que demonstrou com o povo madeirense.

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