Entre os profissionais da construção civil portuguesa, reza uma lenda sobre o trabalho de um determinado político da nossa praça pública, que foi chefe de sucessivos executivos, e que se terá especializado em ganhar eleições pelo populismo. Conta quem
sabe que, em cada uma das obras que ele anunciava, cortavam-se fitas de manhã, à hora de almoço e ao final do dia. Há quem recorde uma empreitada que chegou a fazer o lançamento da primeira pedra três vezes. Uma para as autárquicas, outra para as europeias e ainda chegou ao tempo das legislativas.
Não é apenas mito urbano, mas antes um espelho, ao que parece bastante verídico, do trabalho de um homem, que não importa nomear, pois já nada exerce na função pública. Ainda assim, lembro-me dessas histórias sempre que abro as páginas da nossa imprensa regional. A nacional caminha para o mesmo destino, diga-se de passagem. Está apenas atrasada porque Montenegro só pegou no volante há poucos meses, mesmo que quem veja as fotos dele nas suas férias possa pensar que está bastante exausto.
Por estes lados, diga-se que o lançamento das primeiras pedras mágicas não é obra exclusiva dos executivos de Bolieiro. Todas as forças políticas governantes já experimentaram essas táticas ilusórias, com maior ou menos sucesso. No entanto, o atual circo é outro. Mais adensado e menos meritório.
Ora veja-se: no dia 25 de junho de 2024, a Secretaria Regional do Ambiente e Ação Climática realizou uma cerimónia pública, na ilha das Flores, para inaugurar o Centro de Processamento de Resíduos. Esse mesmo espaço fora já inaugurado, em 2012, com a presença do então presidente Carlos César. Depois da indignação pública, os responsáveis retrataram-se e anunciaram que afinal era só uma fita cortada por causa de uma obra de alegada melhoria, ainda por comprovar. Resta saber se teriam vindo esclarecer essa diferença, caso as pessoas não tivessem reclamado do óbvio. É um governo de papas e bolos.
Ao longo dos últimos três anos e alguns meses, temos assistido a imensos fenómenos idênticos. Projetos apresentados pelos executivos anteriores, trabalhados inteiramente pela camada técnica da função pública, que recebem placas, honras e inaugurações pomposas em nome de políticos que nem sequer se informaram o suficiente para fazerem discursos dignos da ocasião.
Um dos exemplos que talvez deixe mais amargo na boca será o da secretária regional da cultura que nunca o quis ser, e que volta e meia vem anunciar e apresentar coisas feitas e propostas por quem antes dela por lá passou. Recebem-se marcas e prémios que nunca foram da estratégia dela. Cortam-se fitas em centros interpretativos, novos museus e espaços de divulgação que nunca foram desejados pela secretaria. Com muito custo, lá se pronunciam umas palavrinhas sobre o futuro de uma cultura moribunda. E fazem-se reuniões à porta fechada onde se prometem fundos e mundos aos agentes culturais, para depois os deixarem meses e meses a acumular dívidas nos cartões de crédito da família.
Desengane-se quem pensar que esta é uma realidade exclusiva à cultura. Como é do conhecimento comum, foram muitas as primeiras pedras lançadas, ou repescadas, aquando do começo de 2024, num esforço hercúleo para tentar passar a mensagem de que muito se tinha feito num governo que quase nada fez. Eram tempos de eleições, afinal de contas.
Quantas habitações foram anunciadas e ainda estão por construir? Quais os centros de saúde previstos e irremediavelmente esquecidos? A pista da ilha do Pico vai ser alargada na altura das próximas eleições? A ligação às Furnas, em São Miguel, foi só para turista ver? E o eterno porto nas Flores, que é sempre culpa de todos menos de quem nada faz? E uma mera infraestrutura de abrigo no Porto de Pipas?
No dia 15 de agosto, o jurista Arnaldo Ourique foi publicado, por duas vezes, no periódico Diário Insular. Em primeira instância veio uma entrevista sobre o estado da arte, no arquipélago, onde ele desmontou, sistematicamente, todas as falhas graves de Bolieiro e do seu executivo. Mas, num artigo de opinião, alertou para uma situação bem mais grave.
Durante o seu primeiro mandato, o governo da coligação utilizou os vinte e quatro anos de governação anterior como desculpa para tudo. Podemos até considerar legítima a argumentação de que não se pode resolver tudo no espaço de nada. Mas,convenhamos, já se passaram demasiados anos, e quase tudo o que foi feito, foi primeiramente traçado antes destes lá chegarem.
Pior do que isso é a nova desculpa dos duodécimos. É aqui que Arnaldo Ourique, recorrendo à sua especialidade legal, arrasa as queixinhas do PSD e do CDS. Porque a verdade é que não fizeram porque não o desejaram fazer. Ou, se calhar, não sabiam. Mecanismos existiam.
Quando chegarem as próximas eleições, que poderão vir mais cedo do que se espera, serão muitas e muitos a virem a público cortar fitas de obras já inauguradas, ou lançar as primeiras pedras de empreitadas já em curso há muito. Será essa a altura de se prometer,para depois se desculpar. O populismo não começa nem acaba no partido de José Pacheco. É uma arma desta coligação, que urge denunciar e combater.