Num recente comício, de 24 de julho do corrente, Donald Trump avançou com a sua retórica de extrema-direita contra a nova candidata presidencial, Kamala Harris.
Chamou-lhe lunática, perigosa, radical, maluca e outras coisas que tal. Os seus apoiantes berravam até ficar sem voz, vociferando lemas racistas, machistas e antidemocráticos. Atacou-se a esquerda, a direita, os moderados, a república e tudo o mais. Para aqueles fanáticos, que também por cá entre nós andam, tudo o que seja fora da sua caixinha de inseguranças é coisa de comunistas criminosos. Acreditam no conservadorismo moral e fiscal, onde a religião é lei e o capitalismo é dogma. Deve ser por isso que estão a lutar para eleger um tipo que foi considerado culpado por crimes fiscais que envolveram o pagamento de uma atriz de filmes pornográficos com dinheiros de doações públicas. É a América que temos.
Seja como for, este não é mais um texto sobre Trump e a sua legião de reacionários, mas sim sobre o que se passa deste lado do Atlântico e sobre a lei da empresa mais forte.
Luís Montenegro, tal como o seu colega nos Açores, parece mandatado e ungido pelo setor privado. Matam-se a anunciar aberturas e desregulações dos mercados, na falsa fé de que quanto mais dinheiro fizerem os grandes grupos económicos, mais forte será a economia.
É uma falácia absurda que remonta aos tempos de Ronald Reagan, paladino dessa filosofia de gestão. Durante a sua presidência, os Estados Unidos experimentaram vários períodos de cortes fiscais direcionados aos mais ricos, seguidos de quebras graves na economia que exigiram uma ação do Estado para revitalizar o país.
São termos complexos, mas tentemos trocar por miúdos: a política económica de Reagan, que é a mesma de Montenegro, corresponde a dar mais dinheiro aos ricos, porque eles vão dar mais empregos bem pagos aos pobres. A verdade é que, na história da Humanidade, estamos mais do que fartos de saber que não é assim que funciona. O rico quer é ser mais rico. Está-se a borrifar para o pobre.
No mais recente e último trabalho da Assembleia da República antes das férias, debateu-se uma proposta para baixar os impostos sobre rendimentos de pessoas coletivas, que é como quem diz os impostos referentes às empresas. É uma medida que poderia ter consequências verdadeiramente interessantes, fosse ela direcionada apenas às pequenas e microempresas. Mas, à semelhança do que Montenegro fez com o IRS jovem, este trabalho do IRC não é mais do que um apoio para os mais ricos. Com o apoio da Iniciativa Liberal e do rebanho de Ventura, a coligação do PSD aprovou mais uma medida estratégica para a direita solidificar a sua base de apoio junto dos grandes grupos económicos.
Desengane-se quem achar que esta nova direita, que vai de Trump a Montenegro, acredita mesmo no tal capitalismo conservador. O que eles desejam é aumentar a força dos monopólios económicos e capitalistas que servem de pilares para que eles possam continuar a fomentar o ódio, seja através de discursos insanos, seja através de medidas separatistas. Ontem foram sobre creches, amanhã serão sobre saúde e no futuro serão sobre todos os aspetos das nossas vidas.
Agora mesmo, nos dias que correm, a grande e monopolista GALP anunciou um lucro de 624 milhões no primeiro semestre de 2024. No dia seguinte, que por mero acaso do universo coincidiu com o dia do discurso espumado do senhor da extrema-direita americana, o Público noticiou que a GALP tinha perdido um processo em tribunal, sendo condenada por ter feito despedimentos ilícitos, durante a pandemia. O assunto é ainda mais complexo, pois ficou demonstrado que as tarefas das pessoas despedidas foram transferidas para outros trabalhadores, já de si sobrecarregados, e sem habilitações para as realizarem. Ou seja, a GALP anda a ganhar mais de meio bilião de lucros, a cada seis meses, enquanto despede pessoas sem justa causa e transfere trabalho importante para pessoas que não o conseguem fazer.
Tudo isto é assustador, e mais assustador ainda é o facto de a grande empresa petrolífera ter avançado com um recurso jurídico que irá levar o caso para outro tribunal, empurrando com a barriga e com a sua gigantesca pilha de dinheiro, o simples ato de reconhecer que errou.
Mas é assim que funciona o regime de Trump, de Montenegro, Bolieiro, Ventura e Pacheco. Todos na mesma frase, como eles gostam de estar. É assim que funciona o capitalismo de Reagan e do corte do IRC nas grandes empresas. Só serve para que os mais fortes aumentem a capacidade de esmagar os mais fracos.
Enquanto não reconhecermos o que está em jogo e conversarmos honestamente sobre o assunto, vamos continuar a falar em privatizar negócios da China, como a EDP, ou negócios das obras paradas, como os CTT. O capitalismo já demonstrou há muito que só serve para alimentar a máquina do ódio e dos bilionários que nos odeiam. É tempo de pensar em mudanças estruturais e sociais. Já é um bocadinho tarde, mas ainda dá para lutar.