Alexandra Manes

A 13 de julho de 2024, Donald Trump, antigo presidente dos Estados Unidos da América, recentemente considerado culpado de trinta e quatro falsificações de registos comerciais, e atual candidato a ser “ditador por um dia” (palavras do próprio), foi alvo de uma tentativa de assassinato durante um comício de campanha eleitoral no estado da Pensilvânia.

Nas horas que se seguiram, todas as forças políticas à esquerda de Trump vieram a público repudiar o ato e apelar à paz e ao combate à violência extrema que se espalha pelo mundo como um vírus. Joe Biden, que tinha sido alvo dos mais humilhantes insultos, por parte do adversário, discursou várias vezes, pedindo união e desejando-lhe rápidas melhoras.

Na nossa própria Assembleia da República, foi aprovado por unanimidade um voto de condenação ao que se passou.

Recordemos que, dias antes, o Supremo Tribunal americano tinha apresentado uma pronúncia sobre um conjunto de acusações feitas ao antigo presidente, deixando um entendimento oficial, indicando que o trabalho feito por ele, enquanto estava no cargo, não pode ser alvo de escrutínio judicial que implique penas de prisão ou condenações.

A minha interpretação sobre esse parecer jurídico é meramente de leiga, mas parece-me que Trump passou, na prática, a ter imunidade relativa, desde que esteja na Casa Branca.

E é para lá que ele caminha. A tentativa de assassinato reforçou a sua posição nesse sentido. Há alguns anos, tinha já afirmado que poderia matar alguém, e mesmo assim os seus apoiantes ficariam do seu lado.

A premonição concretizou-se, de forma particularmente arrepiante. O atirador estava inscrito no partido republicano, radicalizado pelos ideais trumpistas do armamento generalizado e da violência como arma política.

Não afirmo que foi manipulado para o efeito, nem propago teorias da conspiração, mas não restam dúvidas sobre o facto de o ataque ter sido consequência do discurso de ódio de Trump e da sua equipa. O rapaz de vinte anos que disparou sobre aquela multidão, morreu por causa deles. E eles aplaudiram a sua morte.

Num país onde os líderes apelam ao combate, os disparos serão parte do quotidiano.

Mesmo que sejam disparos contra esses mesmos líderes.

Entretanto, avançou a convenção do partido Republicano. Trump entrou triunfante numa semana de quatro dias onde todos os discursos serviram para o colocar num pedestal. Dizem que foi escolhido por Deus. Que é o novo César Augusto. Que veio para salvar a América e até mesmo o mundo. Falaram em anjos da guarda e desvios de balas por sopros divinos. Discursaram as noras do grande líder. O filho. Kid Rock cantou um hino à violência. JD Vance, novo candidato a vice-presidente, que em 2016 tinha dito que Trump era um cancro, apelou ao combate contra a esquerda e à defesa do líder da extrema-direita, acima de tudo. O bilionário Elon Musk, que terá sido responsável pela escolha de Vance, declarou publicamente que estava a financiar a campanha republicana com uma quantia diária de dezenas de milhões de dólares. H

ulk Hogan, o afamado antigo lutador de wrestling, foi lá romper a sua camisa e gritar que apoiava Trump acima de tudo. Tudo isto, contado há quinze anos, ninguém acreditaria… Todas as pessoas bateram palmas em convulsões dignas de um episódio bíblico. Ali, em Wisconsin, o senhor passou de mero mortal para semideus olímpico, capaz de tudo e mais alguma coisa.

A 18 de julho, quando Trump terminou um longo discurso que apelou a tudo menos à união, foi impossível a qualquer pessoa de moral não se sentir derrotada.

Os Estados Unidos da América são o país que mais influência apresenta sobre a União Europeia. No caso particular de Portugal, através da NATO e de outros fundos internacionais, bem como através do ultra capitalismo, cumprem um papel preponderante no controlo da maneira como as atuais gerações pensam e de como se idealizam as estratégias de gestão do país. Na ilha Terceira, a sombra da Base das Lajes é demasiado grande para ser ignorada de forma alguma, conforme já repetidamente chamei a atenção.

A eleição de Trump terá consequências graves para o mundo. Para nós, será sentida na forma como André Ventura, José Pacheco e os restantes partidários da extrema-direita irão ganhar ainda maior impunidade, para ir bem mais além das creches, e continuar a espalhar os seus tentáculos por todos os órgãos de poder nacional e regional.

Com coligações politicamente fracas, tanto nas Regiões Autónomas como no Continente, não será difícil continuar o processo de dominação em curso.

Cerca de metade dos habitantes dos Estados Unidos não sabe como reagir à queda da democracia em curso. Ficaram perdidos, apanhados numa rede de onde lhes parece impossível fugir. Portugal ainda não está verdadeiramente enredado, mas parece cada vez mais evidente que será preciso mais do que um discurso na Assembleia para os parar.

O que se passa com a questão das creches, e que já viajou até Lisboa e Espanha, é apenas o começo. Foram as cidadãs e os cidadãos que levaram o assunto até lá e que gritam para que alguém faça algo para o resolver. E isso só nos mostra o papel que todas e todos temos de cumprir nos dias que se seguirão. De cravo no peito, liberdade na língua e combate na mão, eles não podem passar cá, como já passaram lá. É o nosso futuro que está em causa.

Foi recentemente noticiada a saída de Biden da corrida. Parece-me tarde, mas veremos se a América consegue abrir os olhos ao futuro.

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