Alexandra Manes

Há uns dias, sentada num espaço público, discutiam-se os preços inflacionados, o estilo de vida cada vez mais difícil e as maneiras como vai ser necessário sobreviver nos próximos dias. Senti-me desamparada, como acho que todos nós nos vamos sentindo, de cada vez que pensamos no mundo, na vida e na carteira. Bem disse Saramago, quando profetizou que o mal disto tudo era o capitalismo e a privatização. Alguns visionários de sofá continuam a insistir que é preciso é privatizar mais. Vão martelar esses slogans até ao dia em que morrerem de fome para pagar o salário ao seu bilionário favorito. Na Argentina liberal até já se fala em vender crianças, vejam bem!

Quem me acompanhava naquele espaço também falava de ingerência e gestão desorganizada. A culpa é dos políticos. Diziam isso de forma genuína, sem a malícia dos corredores das assembleias deste mundo. Acreditavam mesmo que a culpa era dos políticos. E eu escutava, refletindo sobre a importância do silêncio. Se há culpa nisto tudo, os políticos terão a sua quota. Mas parece-me que a culpa da falta de capacidade de gestão desta região será, em primeira instância, da mediocridade governamental que opta por eleger, nomear e manipular ferramentas para colocar a mediocridade nos cargos mais importantes.

Durante duas décadas, Mota Amaral fez por isso. Bolieiro veio para mudar a casa, que tanto criticou nos governos socialistas, e afinal nem conseguiu varrer o pó para debaixo do tapete. Os dois governos desta atual coligação insular só conseguiram, até à data, nomear mais mediocridade por metro quadrado, do que alguma vez antes.

Haveria muito mais para descrever, mas o que interessa é lamentar a mediocridade. As pessoas queixam-se dos preços caros e culpam o governo. Mas o que há a culpar é, também, quem não sabe governar. O governo não é uma entidade sombria e abstrata. É um conjunto de pessoas que deveriam saber o que fazem. E estas, claramente, não o sabem. Nunca estivemos tão mal. E não se vaticinam melhoras rápidas.

Lá fora, a mediocridade alcançou limites nunca antes pensados. Lucília Gago entrou em palco, numa entrevista televisiva digna de uma peça de teatro dos Fala Quem Sabe. A senhora procuradora demonstrou, em mais ou menos vinte minutos, todos os motivos que levaram a que ela assuma o título da pior que já tivemos. Derrubou um governo, tenha sido propositadamente ou não. Desconhece as suas responsabilidades públicas e assume as suas vaidades privadas, sem descaramento.

E assim, no espaço de cerca de quatro anos, nada se fez nos Açores e pouco se fez no país. No espaço de cinco décadas, o país regressou às trevas da mediocridade salazarenta. É urgente fazer melhor. De medíocres, está este inferno cheio.

E, por falar em mediocridade, não há como não referir a recente proposta do chega apresentada, sob a figura regimental “Urgência, votada e aprovada, no último plenário. Certamente, é do conhecimento de todas e de todos que me leem, a leviandade com que PSD, CDS e PPM fizeram aprovar uma proposta de teor importantíssimo e determinante para centenas de crianças entre os quatro meses e os dois anos de idade, sem que a mesma fosse analisada em comissão, de forma a que pudessem ser ouvidas todas as entidades envolvidas e com responsabilidade na matéria.

Refiro-me, claro, à proposta que recomenda ao Governo Regional que seja dada prioridade, nas creches, às crianças cujos pais trabalhem.

Evidentemente, que esta proposta colhe junto das centenas de famílias que não encontram resposta para as e os seus educandos. No entanto, este é mais um paliativo, pois, a acontecer, não resolve o problema de falta destes espaços, tendo, sim, sido uma desresponsabilização oferecida ao Governo Regional pelo não verdadeiro investimento numa rede de creches que dê resposta às necessidades de cada ilha.

Não foi a primeira e, certamente, não será a última vez, que este partido projeta nestas pessoas todo o mal desta região. No entanto, desta vez, foi mais longe, tendo o debate da proposta atingido o mais baixo nível possível. Desta vez, e com o propósito único de atingir as pessoas adultas, o chega utilizou crianças como arma de arremesso político, perpetuando a estigmatização, denominando-as de “crianças do RSI”, sem um pingo de compaixão e de solidariedade por crianças que não têm culpa do ambiente em que nasceram. Um ataque medonho a crianças. Crianças!! Aquelas que são o futuro e que vão sentir a diferença estrutural desde cedo.

A execução deste critério como prioridade na admissão de crianças em creche, para além de uma crueldade atroz, será um retrocesso gigantesco na proteção de crianças, com consequências graves, e no combate à pobreza, pois o contacto precoce com outras crianças e com material lúdico-didático é fundamental para captar o interesse pelo posterior sucesso escolar.

Naquela sala de plenário, aquando do debate da proposta, estavam pessoas com formação em Educação, e, portanto, capacitadas para aferir da importância do espaço de creche para o desenvolvimento holístico das crianças, pelo que a aprovação desta medida ainda se torna, ainda, mais incrédula.

Há uma história de vida em cada criança que nasce já rotulada pelo estigma do RSI. Há em cada criança vulnerável menos possibilidade de um futuro académico. Há em cada criança estigmatizada, um futuro que a direita açoriana parece querer condenar.

A quem não sabe, e parece não querer saber, é no espaço da creche que muitas crianças têm assegurada uma alimentação nutritiva e um ambiente que lhes proporciona resposta às suas necessidades básicas. É ali que lhes é permitido um ambiente de socialização saudável e harmoniosa.

Compreendo a insatisfação das famílias que não conseguem vaga na creche, mas impressiona-me a facilidade com que aceitam esta como sendo uma boa medida, esquecendo que o numero de vagas não aumenta e que o problema não se resolve.

É importante refletir no facto de que ninguém, absolutamente ninguém, estar livre de um dia ser alvo de exclusão social. O único elevador social é a educação. Numa região pobre privar crianças vulneráveis de espaços desta natureza, é condenar ao ciclo vicioso da pobreza.

Nesta região gasta-se mais dinheiro com a construção de hotéis do que aquele que se investe em creches, mas poucos são os que erguem a voz para alertar para esta realidade. As IPSS dão a resposta que o Estado/Regão não consegue dar. De uma vez por todas, assumam essa realidade, invistam numa rede de creches, assegurem o pagamento das funcionárias e façam da creche um espaço universal.

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