Para quem, como eu, acompanha de muito próximo tudo o que está relacionado com a política, há algo no ar, isto é, no espaço mediático, que me causa muita estranheza. Refiro-me ao diferente olhar para os radicalismos político-partidários. O radical de esquerda é muito mais tolerado e até aceite que o radical de direita.

Eu, confesso moderado e identificando-me com a social democracia, não compreendo esta desigualdade de tratamento. Quando o tema é o extremismo, não há a divisão entre o extremismo bom e o extremismo mau. Ou melhor, não devia haver. Mas a verdade é que há. Até há uma espécie de extremista fofinho.

Vem isto a propósito das eleições legislativas antecipadas francesas. O partido de Le Pen é sempre referido (e bem!) como de extrema-direita.

O partido de Mélenchon, denominado “França Insubmissa” e que liderava uma coligação apelidada de “Nova Frente Popular”, nunca é referido por cá como de extrema-esquerda. Quanto muito é feita uma rápida referencia a “partido de esquerda radical”. Não se trata de uma mera questão de semântica.

Trata-se, sim, de uma nuance linguística que é escrita ou dita propositadamente para tentar suavizar o extremismo de uma das fações.

Eu, talvez por defeito de feitio ou outra coisa qualquer, gosto que se chame “os bois pelos nomes”. Mélenchon é de extrema-esquerda. Tem posições que todos conhecemos relativamente à União Europeia, à NATO, a Israel, à intervenção do Estado na economia, à politica fiscal e até sabemos o que pensa de ditadores como Chavez ou Fidel Castro. Nada disto é crime. Está no seu direito e tudo isto se insere no âmbito da sua liberdade. A democracia é uma “enorme casa” que inclui, nas suas múltiplas assoalhadas, extremismos. De direita e de esquerda.

Ao povo eleitor compete, sempre, dizer que dimensão quer para tais espaços. E é aqui que surge outra das minhas inquietações ao assistir às mais diversas análises relativas às eleições em França. Foi muito raro ouvir alguém dizer a verdade dos factos. E qual é essa verdade? O partido mais votado na segunda volta das legislativa francesas, infelizmente, foi o partido de Le Pen (União Nacional que surgiu sob a forma de coligação “Reagrupamento Nacional” [RN]).

Até parece mentira, mas não é. Acontece que, face ao sistema eleitoral, o partido mais votado ficou em 3.º lugar na representação parlamentar. Mas convém não atirar para debaixo do tapete que o partido de Le Pen, através do candidato Jordan Bardella, obteve mais de 10 milhões de votos, sendo que a Nova Frente popular não chegou aos 7,5 milhões de votos e o partido do Presidente Macron (“Ensemble”) mereceu o voto de aproximadamente 6,3 milhões de eleitores.

Contas feitas, isto significa que o partido de Le Pen foi aquele que obteve maior crescimento, uma vez que é preciso recordar que passaram a sua representação de 89 para 143 deputados com assento na Assembleia Nacional.

O sistema eleitoral “travou”, por agora, a vitória isolada de um dos lados do extremismo e passou a batata quente para o Presidente Macron que ficou no meio de dois blocos extremistas. E nenhum deles é fofinho! “Bonne chance, France!”

ps: Voltarei em setembro. Boas férias!

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