Caro Ronaldo, vou tratar-te por tu. Afinal de contas vi-te treinar inúmeras vezes e, como já escrevi por aqui, vi-te fazer aquela extraordinária arrancada frente ao Moreirense.

Celebrei aquele golo com um enorme sorriso. Era o teu primeiro golo. Tinhas 17 anos e o mundo pela frente. Todos nós te apontávamos a um futuro muito risonho. A bancada dividia-se entre ti e o Quaresma.

O Quaresma, até por já ter sido campeão na época transata e por ser dois anos mais velho, levava ligeira vantagem nas “apostas”. Acontece que rapidamente puseste termo a esta “discussão”. Às trivelas, à magia das fintas, aos golos bonitos e assistências do teu amigo Quaresma, respondeste com uma força mental e capacidade de trabalho que mais ninguém tem.

Obviamente que tinhas, desde muito novo, as qualidades necessárias para seres um grande jogador. Mas isso não chega. Para alcançar o patamar onde chegaste é preciso muito mais do que jeito para a bola.

Tu, melhor do que ninguém, sabes os sacrifícios, as horas de treino, a alimentação, o descanso, etc… Nada disto é segredo, mas a verdade é que só tu estás onde estás com quase 40 anos. Por isso, Ronaldo, merecias que os deuses estivessem do teu lado. Não estiveram.

A França não permitiu. A seleção francesa é muito superior à portuguesa. Aquele jovem francês que te tem por ídolo joga muito. Aquelas arrancadas não te lembram ninguém? E aquele pontapé indefensável? Cabeça erguida, Ronaldo.

Limpa essas lágrimas. A hora é de agradecimento. Não teu, mas meu e de todos os que adoram futebol. Mesmo aqueles que não gostam de ti, e há muitos, reconhecem que tu és de outra massa. És o símbolo maior do País.

O português mais conhecido em todo o mundo. É nisto que deves pensar. O teu trabalho, que vai terminar com perto de um milhar de golos a nível sénior, muitos títulos e incontáveis prémios e distinções, é reconhecido em todo o mundo. Principalmente depois de passarmos a fronteira…

Caro Ronaldo, não foi a despedida, em matéria de europeus, que a tua estratosférica carreira merecia. A saída, sem qualquer golo marcado, não combina com os quase 900 golos marcados ao longo de mais de duas décadas com que chegaste à Alemanha para o teu sexto europeu.

É claro que este desfecho, previsível para mim, não pode ser imputado a um único jogador. Mas, como todos sabemos, tu representas, para o bem ou para o mal, muito mais que todos os outros juntos.

Mesmo a caminho dos 40 anos, sabes bem que tu é que vendes. Tu é que tens mais seguidores que todos os outros somados.

Tu é que és o supercraque. E notei, caro Ronaldo, que já não estás a suportar bem este peso. Frente à Eslovénia, acabaste o jogo de rastos. Até um livre lateral fizeste questão de marcar.

As tuas lágrimas pós penalti defendido pelo Oblak mostraram-me angústia e desespero. Nada disso era necessário.

Sais do Europeu pela porta maior. Pela porta por onde saiem os gigantes. O abraço e a camisola que o Kylian Mbappé leva para casa deixa-o, garantidamente, mais feliz do que a vitória gaulesa. Ah! Já agora… espero que tornes esta crónica num ato falhado!

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