Alexandra Manes

Um dos cenários que as novas Assembleias do país já nos vão habituando a assistir é o da leitura de declarações, ou realização de discursos sem nexo, base científica ou princípios democráticos. É lamentável assistir aos trabalhos, que ao longo dos últimos anos se tinham vindo a agravar, e que agora atingem proporções dignas de dias distópicos.

Os deputados da bancada mais extremada, ao coração da nova direita, pronunciam-se sobre assuntos que aparentemente desconhecem ou recorrem a um discurso repleto de incentivos ao ódio e à discriminação. É daqueles lugares que se espalha um sentimento de impunidade por toda a ala política da enfraquecida República, dando aos líderes dos restantes partidos do arco da governação uma carta branca para dizerem tudo o que sempre desejaram dizer.

As comunicações crescem no seu teor de raiva e manipulação. Qualquer oportunidade parece perfeita, para soltarem o eleitorado mais facilmente descontente, e empurrarem as pessoas contra os seus adversários parlamentares. A compaixão e o entendimento moral e democrático desaparecem, dando lugar a um espaço de desconfiança, em que momentos de boa relação institucional vão passando a estar em vias de extinção. Há bocas e interpelações que antigamente fariam corar a mais séria das pessoas capazes de pisar a democracia. Normalizou-se o discurso de tasca e o insulto barato, vindo de pessoas que representam o povo, mas que comportam como se estivessem no recreio.

Talvez fosse pedir muito que não fosse assim, mas não posso deixar de sublinhar o triste circo que se passou no parlamento açoriano, no plenário de junho.

Os grupos parlamentares da direita levantaram-se para, em uníssono, estarem contra um voto de saudação a Espanha, Noruega, Irlanda e Eslovénia, pelo seu reconhecimento da legitimidade do Estado da Palestina, apresentado pelo BE. Com a exceção do deputado do PPM-Açores, ausente daquela sessão, todos as outras pessoas que representam a direita foram coniventes com o ato de ignorar a catástrofe em curso naquele território.

Para justificação do voto contra (que lhes é legítimo) foram utilizados argumentos como “branqueamento”; “agenda política”; “Instrumentalização do parlamento açoriano”; e “pressão ao governo português”, revelando um enorme desconhecimento (ou recorrendo à memória seletiva) acerca dos milhões de pessoas que se têm manifestado mundialmente, e de onde não se excluem os Açores. Esqueceram-se, também, das cerca 37 mil mortes na Faixa de Gaza, maioritariamente civis, incluindo 13 mil crianças.

Não será demais recordar que há um processo de sistemático extermínio em curso no Estado da Palestina. Iniciado como retaliação a um ataque de teor terrorista, o conflito já passou muito para além das linhas vermelhas que qualquer pessoa com o mínimo de ética pode ter. Multiplicam-se as imagens de morte, dor e agonia, de um povo que se vê confrontado com todas as piores condições geopolíticas capazes de apoiar a sua sobrevivência. Igualmente grave é o facto de se estar a criar uma geração de sobreviventes, cujo ódio à guerra e aos adversários políticos será tão grande que, aos palestinianos e israelitas que não morrerem, não será de estranhar que apeteça continuar o combate, dê por onde der.

O ciclo bélico, que se vai perpetuando a si mesmo, é responsabilidade de líderes extremados, que utilizam a guerra e o extermínio como ferramentas políticas, para se manterem no poder. Só poderá ser interrompido pelo caminho da paz. Acredito, como muitas pessoas no palco mundial parecem acreditar, que esse percurso deverá ser feito pelo diálogo entre instituições, com a ONU a demonstrar maior abertura para que tal aconteça, e com países como os já aqui saudados a reconhecem o Estado da Palestina, ato tão simples, que Israel já poderia há muito tê-lo feito. Portugal também ainda não reconheceu a Palestina, formalmente, mas está na altura de o fazer.

Quem não o deseja fazer de modo algum é a ala da direita açoriana. Os srs. Deputados Bruto da Costa, Pedro Pinto e José Pacheco, respetivos representantes dos partidos presentes com responsabilidade política direta, defenderam um voto contra.

O sr. Deputado José Pacheco, conforme já nos habituou, costuma ser o mais polémico e o menos humano, tendo apontado as baterias na direção de assuntos que aparentemente não estava capacitado para tratar. Neste plenário que passou, assistimos à desumanização da classe trabalhadora em favor absoluto do patronato. Ouvimos um discurso em que todas e todos os funcionários públicos foram denominados de malandros. As prioridades daquele grupo foram as hortênsias.

Pela Palestina, nem um dedo foram capazes de erguer, a não ser para acirrar o ódio e afirmar que o BE apoiava um grupo terrorista. O que se esqueceu foi de quem integrou a rede bombista MDLP contra 25 de Abril e o projeto político do general Kaúlza de Arriaga, um dos “ultras” da ditadura, no Movimento Independente para a Reconstrução Nacional (MIRN).

Termino com uma constatação que parece mais ou menos evidente. Num tempo em que a política acolheu pessoas capazes de tudo, quem tenta defender ou lutar pela paz, pela solidariedade e pelo amor estará sempre a correr atrás do prejuízo. Não desejo minimizar um assunto com a complexidade do que se passa entre Israel e Palestina. Mas parece evidente que é isso que políticos como os citados decidiram fazer. Para eles, parece ser mais importante uma luta parlamentar do que o fim de uma guerra com consequências mundiais. É a direita eleita. Espelho de uma sociedade que parece precisar de crescer.

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