Na vila de Rabo de Peixe, nos Açores, uma família assume-se como “guardiã” do Espírito Santo, reservando, durante um ano, uma das principais divisões da moradia para montar um altar para o culto ao Divino.

“A diferença em relação a outros quartos do Espírito Santo é que este fica montado durante um ano. Abriu em junho do ano passado. E só desmontamos no próximo mês de junho”, afirma à agência Lusa Maria Cecília, 43 anos, residente na vila de Rabo de Peixe, no concelho da Ribeira Grande, ilha de São Miguel.

É a mordoma do Império dos Inocentes pela segunda vez. Cresceu com a fé “inabalável” no Divino Espírito Santo.

À sua guarda e da família ficam, durante um ano, as insígnias do Divino e diariamente reza-se o terço perante a coroa em prata e a bandeira.

“Este é o quarto dos meus pais. Mas, durante o ano em que está montado o altar do Divino Espírito Santo eles ficam no quarto em frente”, explica Maria Cecília à reportagem da Lusa, garantindo que ninguém se incomoda que “tenha sido roubado” um espaço na moradia para instalar o altar.

Junto à porta do designado Quarto do Espírito Santo, um dos símbolos das festas em honra do Divino, Maria Cecília relata com orgulho e emocionada a missão de transformar uma das divisões da moradia e convertê-la em espaço de oração e reflexão, pelo período de um ano.

“Aqui em casa ficamos com o Espírito Santo o ano inteiro, mas habitualmente os símbolos ficam instalados durante uma semana em cada casa”, assinala.

A família une-se para dar forma a uma devoção desde há muitos anos.

“Não é só uma parte da casa que está dedicada ao Espírito Santo. É praticamente a casa toda só para ele”, destaca a mordoma do Império dos Inocentes, contando que, além dos vizinhos, devotos, são muitos os curiosos e os turistas que visitam a moradia ou observam pela janela o espaço onde são exibidas a coroa e a bandeira, os símbolos da festa.

Talvez por isso, quem passa no local repara numa particularidade.

“Colocamos, uma pequena estrutura de madeira para que as crianças possam subir à janela e observar o Espírito Santo”, detalha Maria Cecília.

E “não existem lugares marcados”, até porque é sempre possível rezar e ver o Espírito Santo até às 23:00, acrescenta Maria Vieira, 61 anos, cunhada da mordoma.

Maria Vieira tem o mesmo ritual desde há um ano: renovar semanalmente, com flores naturais, os arranjos que ornamentam o Quarto do Espírito Santo.

“Este ano decorámos de forma diferente. Inspiramo-nos num jardim. Mas, no ano passado “também esteve lindíssimo”, diz, descrevendo que as paredes estão forradas com uma enorme tela de papel em tons de verde, a que se juntam várias estruturas em madeira, suspensas com arranjos florais, onde o branco sobressai.

Ao centro, está a coroa em prata, ladeada pela bandeira, ambas iluminadas por uma lamparina. O azeite é, em muitos casos, doado pelos devotos, em horas de aflição ou em agradecimento por uma graça alcançada, tal como refere Maria Cecília.

No exterior, a residência está também decorada. Maria Cecília e Maria Vieira não escondem as lágrimas, por estar próxima a despedida ao Espírito Santo.

“É uma devoção tão grande. Esta fé não tem explicação. Já estou tão triste, porque o Espírito Santo vai embora desta casa”, sublinha a mordoma, afirmando já ter saudades da “companhia do Divino”, e dos símbolos depositados na residência, que irão mudar de mãos com a atribuição de um novo mordomo.

As Festas do Divino Espírito Santo iniciam-se após a Páscoa e prolongam-se até ao oitavo domingo seguinte, o da Trindade, apesar de já ser comum alargarem-se até ao verão, devido ao regresso dos emigrantes à terra natal.

As celebrações existem em todas as ilhas dos Açores com diferenças nos ritos, mas com momentos comuns (a distribuição de refeições e as coroações) e elementos típicos do culto, como as bandeiras, as coroas de prata e o hino.

O mordomo tem a responsabilidade de organizar os festejos, assumir as despesas e assegurar a distribuição das pensões (cabazes alimentares).

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