E agora? Vamos ter um Governo? Após eleições, com resultados apurados, nomes apresentados e tomada de posse agendada (aquando da escrita deste artigo), a pergunta parece ridícula e a resposta seria óbvia. Mas não. Desta vez, a pergunta é oportuna e a resposta é, mesmo, complexa. Corremos o (sério) risco de termos, afinal, um desgoverno.
As eleições foram a 10 de março. Os resultados expressaram, praticamente, um empate entre a Aliança Democrática (por favor, não confundir com Alternativa Democrática Nacional) e o Partido Socialista. Mas não só. Expressaram também a ascensão de um terceiro partido – decisivo nesta “matemática política”.
Façamos então as contas: o Partido Socialista, com o apoio do Bloco de Esquerda, da Coligação Democrática Unitária (PCP-PEV), do Livre e do Pessoas-Animais-Natureza, soma mais deputados do que o Partido Social Democrata, que fica aquém mesmo quando tentamos resolver a equação com a coligação AD (ou seja, tendo em consideração os deputados do PSD e do CDS-PP) e acrescentando o apoio da Iniciativa Liberal. Isso foi, aliás, notório na eleição do Presidente da Assembleia da República. O impasse, gerado pelo imbróglio que tem sido a relação entre o PSD e o Chega, apenas foi superado graças à intervenção do Partido Socialista. Caso contrário, arrisco dizer que ainda estávamos a tentar eleger um Presidente.
Mas, então, se Pedro Nuno Santos conta com mais deputados do que Luís Montenegro, por que não foi ele indigitado Primeiro-ministro? Porque, apesar de ter mais deputados (somando todos aqueles partidos), o PS teve uma votação mais baixa. E isso acaba por definir quem é convidado pelo Presidente da República para formar Governo. Agora, se este Governo passa ou não na Assembleia da República… Como já vimos, isso são mesmo outros quinhentos, como se costuma dizer. Aliás, para ilustrarmos a complexidade de tudo isto, bastará recordarmos como nasceu o primeiro governo de António Costa. Teve menos votos do que Pedro Passos Coelho, mas tinha um entendimento estabelecido com os partidos de esquerda, o que lhe conferiu uma geringonça e uma maioria parlamentar.
Então vamos ter um Governo? É isso? Pois… Mais ou menos… Não tendo ficado claro se foi a Iniciativa Liberal que não quis ser Governo ou se foi o PSD que nem colocou essa hipótese… A verdade é que, sem o apoio do Chega, a esquerda tem mais deputados. Logo, estando na oposição, esta maioria pode não viabilizar orçamentos e propostas do Governo. E, sim, pode derrubar o Governo. A não ser que o afamado “não é não” não seja, afinal, “irrevogável” (outra expressão cheia de simbolismo para a direita portuguesa). E não, não acho que se possa responsabilizar o Partido Socialista por ser a moleta de estabilidade. Quem governa é que tem de saber assumir essa responsabilidade na defesa e implementação do seu programa – recusar moletas e construir alicerces -, embora eu esteja certo de que continuará a ser esse o discurso: vitimização da direita e diabolização da esquerda (confesso que tentei encarar como uma piada quando a IL falou em “coligação entre o PS e o Chega” no momento da eleição do Presidente da Assembleia da República).
Então a resposta correta é: vamos ter um desgoverno… É isso? Então… Embora Pedro Nuno Santos tenha esclarecido – e bem –, ao longo da campanha eleitoral e, também, no discurso do dia 10 de março, que o Partido Socialista não vai “criar nenhum impasse constitucional”, não aprovando uma moção de rejeição, a verdade é que o PSD e o CDS terão de governar conscientes da vitória tangencial que conquistaram e contando com uma oposição liderada pelo PS. Sim, tem de ser o PS a liderar a oposição. É essa a sua missão e nunca terá sido tão urgente assumi-la.
Então qual é a resposta correta, afinal? Vamos acreditar que a descobriremos nos próximos dias. Mas uma coisa é certa: terá de ser Luís Montenegro a avançar e a bloquear a resposta. Para já, parece ter duas hipóteses: ou “chega” a um acordo com o partido de extrema-direita e talvez consiga governar o país durante uma legislatura (suportado e dependente de André Ventura), ou teremos eleições (novamente) dentro de pouco tempo.
Seja qual for a opção que Luís Montenegro e a cúpula do partido selecionem neste “Quem quer ser Governo?”, será sempre “um pau de dois bicos” para o PSD. Disso não tenham dúvidas. Vejamos… Se optar por negociar com o Chega, não cumprindo o que prometeu (o tal “não é não!”), sabe que vai ficar em terceiro lugar nas próximas eleições (atrás do Partido Socialista e do Chega). Se optar por não negociar com o Chega, cumprindo a sua palavra, mas denunciando a fragilidade dos resultados eleitorais alcançados, sabe que, por mais que tente esgotar a folga orçamental com medidas eleitoralistas, corre o risco de ficar em terceiro lugar nas próximas eleições (atrás do Partido Socialista e do Chega).
Pensando em futebol… A bola está do lado de Luís Montenegro. Só ele poderá decidir para quem faz o passe. O problema é que a bola está em chamas e seja qual for o pontapé que decida dar nela… Luís Montenegro sairá queimado. E o país, entregue a um governo desgovernado, sairá ainda pior e com a dolorosa certeza de que demorará muito a cicatrizar todas as feridas.