O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses defendeu hoje que o Ministério Público devia “explicar o que é que aconteceu” no caso da Madeira em que o juiz de instrução criminal concluiu não existirem indícios de crime.
falava à agência Lusa a propósito da diferença de avaliação sobre os indícios entre o Ministério Público (MP) e o juiz de instrução criminal que, na quarta-feira, deixou sair em liberdade com termo de identidade e residência (TIR) o ex-autarca do Funchal Pedro Calado e dois empresários detidos há três semanas para interrogatório após suspeitas de corrupção e outros crimes graves na Madeira.
“Deve ou não o MP, da forma que entender conveniente, explicar o que é que aconteceu? A meu ver, sim!”, declarou o desembargador Manuel Soares, recordando que, já depois das buscas na Madeira, houve uma “conferência de imprensa do diretor nacional da Polícia Judiciária [Luís Neves] explicando as razões de ser da operação” e da sua “complexidade logística”.
Entendendo contudo que, na altura, essa explicação devia ter sido dada pelo MP, porque é quem conduz a investigação, o presidente da Associação Sindical de Juízes referiu que face à decisão judicial de quarta-feira “suscetível de criar alarme” social, era “importante que o MP tranquilizasse” as pessoas sobre a sua atuação.
Numa altura em que é legítimo às pessoas pensarem que o MP pode ter atuado de forma precipitada nesta investigação, Manuel Soares entende que “se justificava uma intervenção” comunicacional do MP, nomeadamente para dizer que “vai recorrer e aguardar serenamente a decisão do Tribunal de Recurso [Relação] para que as pessoas percebessem a lógica de atuação do MP”.
Em sua opinião, um processo que “tem esta marcha flutuante e pouco compreensível [para as pessoas] precisa naturalmente de explicação”, nomeadamente por parte do MP.
O presidente da Associação Sindical dos Juízes notou ainda que o processo da Madeira “tem aspetos que o tornam raro”, sendo um deles o facto de haver “uma diferença tão grande entre uma avaliação feita pelo MP em conjugação com as polícias” sobre a matéria indiciária que levou à detenção dos três arguidos para interrogatório e depois, do lado oposto, uma “decisão judicial que os indícios que lhe foram submetidos não existem”.
Apesar desta etapa processual ser provisória, Manuel Soares reconhece que “objetivamente, olhando para o caso, é fácil dizer que uma das avaliações tem que estar errada”, admitindo ainda que a situação em análise tenha “contornos de anormalidade e excecionalidade”, com o interrogatório a demorar 21 dias a ser concluído.
Confrontado com as críticas vindas a público relativas ao exagero de meios humanos e logísticos utilizados no dia das detenções e das buscas na Madeira, Manuel Soares desdramatizou a questão, dizendo que “o facto de ter havido um maior aparato na operação policial não significa nada”.
“Significa apenas que o MP e as polícias para as diligências que queriam realizar necessitaram daqueles meios”, insistiu.
Manuel Soares admitiu que se o tribunal vier a considerar que não há indícios e as pessoas não vierem a ser acusadas, sendo absolvidas, estas pessoas têm o direito de pedir ao Estado para serem indemnizadas pelos danos que lhes foram causados pelo facto de terem estado 21 dias privadas da liberdade.
Segundo o despacho do juiz Jorge Bernardes de Melo, do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, foi aplicada a medida cautelar menos gravosa ao ex-presidente do município do Funchal Pedro Calado, bem como aos empresários Avelino Farinha, líder do grupo de construção AFA, e Custódio Correia, principal acionista do grupo ligado à construção civil Socicorreia.
Dias antes, o MP tinha pedido prisão preventiva, a medida mais gravosa, para os três arguidos.
A PJ realizou, em 24 de janeiro, cerca de 130 buscas domiciliárias e não domiciliárias sobretudo na Madeira, mas também nos Açores e em várias zonas do continente, no âmbito de um processo que investiga suspeitas de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poderes e tráfico de influência.
A investigação atingiu também o então presidente do Governo Regional da Madeira (PSD/CDS-PP), Miguel Albuquerque, que foi constituído arguido e acabou por renunciar ao cargo, o que implicou a demissão do executivo madeirense.